Irresistível traição Escritor brasileiro mais lido da atualidade está de volta com uma das temáticas mais queridas da literatura mundial

Luiza Maia
luizamaia.pe@dabr.com.br

Publicação: 07/05/2014 03:00

Tema do novo livro surgiu a partir de sugestões dos seguidores de Coelho nas redes sociais
Tema do novo livro surgiu a partir de sugestões dos seguidores de Coelho nas redes sociais

Após vender mais de 150 milhões de livros ao redor do mundo, o escritor brasileiro Paulo Coelho trai novamente as temáticas espirituais pelas quais ficou famoso por um tema bem carnal e querido à literatura mundial, desde as primeiras obras de que se tem notícias: a traição - especialmente a feminina.

Adultério (Sextante, R$ 24,90) narra as angústias da jornalista Linda, casada com o dono de um fundo de investimentos, mãe de dois filhos e dividida “entre o terror de que tudo mude e o terror de que tudo continue do mesmo jeito”. Curiosamente, a temática surgiu a partir de uma sugestão inconsciente dos próprios leitores. Pelas redes sociais (ele tem mais de 20 milhões de seguidores no Facebook e 9 milhões no Twitter), chamou a atenção de Coelho a quantidade de comentários sobre depressão. “A princípio, pensei em fazer um post sobre o assunto. E, anonimamente, nos fóruns, pedi às pessoas que me contassem mais sobre seus problemas. Para minha surpresa, elas não falaram sobre a doença, mas, sim, sobre traição”, conta o autor.

A proximidade com a realidade do leitor é o ingrediente responsável por captar a inspiração dos autores e, quiçá, fisgar a simpatia dos leitores. “A ideia de traição expõe e torna vulnerável a pessoa traída, a que trai e a terceira pessoa. Geram-se conflitos. E a existência de conflitos é provocação ideal para escritores”, explica o professor de literatura Robson Teles. O escritor e professor da Universidade da Califórnia José Luiz Passos concorda: “A traição (não apenas a infidelidade conjugal) é o motor central da forma dramática da tragédia, dos gregos até o nosso Nelson Rodrigues”.

Pernambucano, Passos conquistou o Prêmio Portugal Telecom com O sonâmbulo amador - cujo personagem principal, internado em uma clínica psiquiátrica em Olinda, precisa encarar, entre tantas incertezas, o reflexo da traição e a crise no casamento. Ele relançou neste ano Romance com pessoas - A imaginação em Machado de Assis (Alfaguara, R$ 46,90), em que defende que o julgamento moral é decisivo na construção dos personagens machadianos, muitos deles adúlteros.

Capitu e Bentinho, do clássico realista Dom Casmurro (1889), do irônico Machado de Assis, são os protagonistas da mais famosa abordagem do adultério na literatura brasileira, que nos rendeu ainda Gabriela, cravo e canela, de Jorge Amado (1958), e inúmeras crônicas, peças e romances do recifense Nelson Rodrigues, como Perdoa-me por me traíres. A construção narrativa e as suspeitas do narrador - e do leitor - sobre um possível romance extraconjugal com Escobar são tema de várias pesquisas sobre Machado.

Tolerantes

Na literatura contemporânea, os romances secretos ganham abordagens mais leves e até jocosas, como O auto da Compadecida e O santo e a porca, de Ariano Suassuna. “Os autores de hoje tratam do tema com mais abertura e tolerância. E creio que isso é conquista da afirmação da igualdade feminina na sociedade, da revolução sexual dos anos 1960 e de uma ficção cada vez mais interessada em quebrar tabus”, acredita José Luiz Passos.

As personagens se livram da punição quase obrigatória imposta pela moral burguesa, no século 19. Elas não causam o escândalo de outrora - Flaubert foi processado por ofender os bons costumes com Madame Bovary (1857) - e até cativam leitores. No caso de Linda, por carregar consigo a grife Paulo Coelho, é uma promessa de best-seller.

Séculos de chifres

A primeira

“A obra inaugural das literaturas Ocidental e ocidentalizada - Íliada (século 8 a.C), de Homero -, tem início com uma traição”, avalia o professor de literatura Anco Márcio Vieira Tenório. A fuga de Helena, esposa do rei Menelau, com Páris motivou a guerra de Troia. No poema épico, a figura feminina de Helena é abordada como prêmio de guerra.

Inspiração
O clássico Otelo (1603), de William Shakespeare, influenciou vários filmes e obras como Dom Casmurro (1899), de Machado de Assis, Os ciúmes de um pedestre ou O terrível capitão do mato (1845), de Martins Pena, e Leonor de Mendonça (1846), de Gonçalves Dias. Na peça, Otelo, enfeitiçado pela conversa de Iago, suspeita de adultério e mata a esposa, Desdêmona.

Escancarada
A princesa de Clèves (1687), de Madame de Layette, expõe os casos amorosos da aristocracia francesa. “Quase todos os personagens do romance - sejam homens ou mulheres - têm os seus amantes. E isso é comentado nas rodas sociais como a coisa mais normal do mundo”, analisa Anco Márcio.

Punição
Fortemente influenciadas pela moral burguesa e defesa do casamento monogâmico, as obras do século 19 punem as adúlteras. É o caso de Madame Bovary, do francês Gustave Flaubert (1857), Anna Karenina, do russo Liev Tolstói (1873 a 1877), e O primo Basílio (1878), do português Eça de Queiroz.

Contemporânea
Desde o início do século 20, o tema não provoca mais choque e é tratado recorrentemente, de best-sellers mundiais à literatura de cordel. O amante de Lady Chaterley (1928), de D. H. Lawrence, São Bernardo (1934), de Graciliano Ramos, Sombra severa (1994), do salgueirense Raimundo Carrero, e O plano perfeito (1997), de Sidney Sheldon, são alguns dos incontáveis livros.

Serviço

Adultério, de Paulo Coelho
Sextante
R$ 24,90