Alô, atenção! Biografia apresenta o pernambucano Chacrinha humanizado, mas também lembra do legado que deixou para a TV e o rádio

Mariana Peixoto
edviver.pe@dabr.com.br

Publicação: 03/01/2015 03:00

Abelardo Barbosa nasceu em Surubim, no interior de Pernambuco (ARQUIVO/TV GLOBO)
Abelardo Barbosa nasceu em Surubim, no interior de Pernambuco

Abelardo Barbosa tinha não mais do que quatro anos quando, a bordo do pequeno caminhão do pai, apertava a buzina dourada do veículo anunciando a passagem do vendedor de armarinho pelas ruas de Caruaru. Vinte e seis anos após sua morte, o mais popular apresentador de televisão do Brasil entre os anos 1970 e 1980 tem sua história retratada em livro. Chacrinha – a biografia, de Denilson Monteiro, não traz revelações bombásticas sobre o Velho Guerreiro (1917/1988).

Ainda que toque em pontos nevrálgicos de sua trajetória – como as acusações de que recebia jabá e um suposto relacionamento amoroso com Clara Nunes – o relato busca compilar, com uma escrita fluida e simpática, uma vida que foi muito além do que apresentavam seus lendários programas no rádio e na TV. Monteiro, também biógrafo de Carlos Imperial e Ronaldo Bôscoli, havia se deparado com a figura carnavalesca que deixou marcas indiscutíveis na comunicação popular em trabalhos anteriores – ainda realizou pesquisas para as biografias de Tim Maia, Erasmo Carlos e Bussunda.

Para este livro, partiu de pesquisa realizada por Eduardo Nassife sobre a trajetória de Chacrinha. Para aqueles que o conhecem através dos programas televisivos, o livro é um prato cheio. Utilizando o formato de uma biografia tradicional, Monteiro inicia a história no interior de Pernambuco – Chacrinha é o primogênito de uma família de Surubim, no Agreste. Sofrendo com a falta de oportunidade da região, a família migra para outras pequenas cidades. Chacrinha, ainda bem jovem, chega ao Sul maravilha sozinho, com quase nenhum dinheiro, um curso de medicina interrompido e gana para ganhar a vida.

É no Rio de Janeiro que o pernambucano encontra sua vocação. A partir da própria história de Chacrinha, o autor consegue fazer um retrato interessante da era do rádio, da influência dos nordestinos que foram tentar a sorte na então capital federal, do nascimento da televisão. Com a criação do “cassino” (um programa de rádio em que o apresentador trabalhava usando apenas cuecas), o mito só faz crescer.

Os telespectador que conhecem o Chacrinha do programa, com seu séquito de chacretes, um vai e vem de músicos populares (seu programa foi a principal vitrine tanto dos bregas dos anos 1970 quanto do rock nacional da década posterior) vão encontrar também um personagem humanizado. Católico rígido, obcecado pela audiência e que com anos e anos de experiência, invariavelmente sofria de diarreia antes de entrar no ar a cada edição do Cassino.

Serviço

Chacrinha, A biografia, de Denilson Monteiro
Editora: Casa da Palavra
Páginas: 368
Preço sugerido: R$ 49,90

Trecho do livro

“Tendo o operador de som como único companheiro de trabalho nas noites niteroienses, Abelardo revivia os tempos em que estudava para o vestibular lá no Recife. Dentro do pequeno estúdio da Rádio Club Fluminense, trabalhava apenas de cueca e com um lenço branco amarrado na cabeça. Em casa, o ouvinte que dava asas à imaginação e vislumbrava um Abelardo Barbosa vestindo um elegante summer jacket, parecido com o de Humphrey Bogart em Casablanca, mal sabia que o sujeito que lhes falava estava na verdade bem à vontade, usando uma larga samba-canção branca”

duas perguntas >> Denilson Monteiro

“Não sei se o próprio Chacrinha teria espaço hoje”

O que você descobriu sobre o personagem que mais lhe chamou a atenção?
Fala-se de um homem com fama de louco no palco. Mas o Chacrinha era uma pessoa preocupada. A audiência era uma obsessão na vida dele, tanto que termino o livro com essa questão, sempre recorrente em sua carreira. Além disso, pude constatar algo que todo o mundo falava. Chacrinha não só descobriu muita gente como soube o que oferecer ao público. Tinha domínio total do posto.


Quem são os herdeiros do tipo de televisão que o Chacrinha fez?
Ele influenciou muita gente. Por exemplo, andar pelo palco, mostrar coxia (do teatro) é coisa do Chacrinha. O Faustão, de vez em quando, quebra o protocolo. Mas hoje vivemos a ditadura do politicamente correto. Mesmo que se tenha liberdade para dizer o que pensa (em contraponto ao período da ditadura) há um patrulhamento grande. Então não sei se o próprio Chacrinha teria espaço hoje.