Tons sombrios Artista plástico recifense Bruno Vilela estreia na literatura ficcional com obra de horror com cenários em Portugal

Publicação: 15/12/2015 03:00

Além do texto, Vilela cuidou das ilustrações do livro, com uma série de fotos e 13 pinturas das regiões visitadas (ACERVO PESSOAL)
Além do texto, Vilela cuidou das ilustrações do livro, com uma série de fotos e 13 pinturas das regiões visitadas

Após 17 anos de carreira nas artes plásticas, o pernambucano Bruno Vilela estreia na literatura sem deixar de lado as apostas estéticas e experimentais características da trajetória. Para compor o primeiro livro de ficção, A sala verde (166 páginas, R$ 50), um thriller de horror psicológico, fez 13 viagens por regiões de Portugal (do Cabo Espichel, ao sul de Lisboa, até a Serra do Gerês, na fronteira com a Espanha), como parte de residência artística na Carpe Diem Arte e Pesquisa, no ano passado. Aos fins de semana, explorava o país. De segunda a sexta-feira, abrigava-se no sótão do Palácio Pombal, sede da instituição portuguesa. O livro chega agora às livrarias brasileiras.

A trama conta a saga de um ilustrador brasileiro por terras europeias. Com um mapa de Portugal e um colar misterioso em mãos, o protagonista Joel sai em busca de respostas pessoais e existenciais. “É um alterego. Ao escrever, eu retorno às viagens, como aconteceram, ao realismo, e acrescento a criação, os mistérios com base nos mitos, medos, aventuras, paisagens, então surge realismo mágico“.

Ao longo de 70 dias, o processo de escrita da obra fluiu concomitante a uma série de fotos e 13 pinturas, estas reproduzidas na publicação, junto a colagens. As imagens mantêm a atmosfera e os tons sombrios presentes em trabalhos anteriores de Bruno Vilela. Formado em artes plásticas pela Universidade Federal de Pernambuco, o autor acumula prêmios como o Funarte de estímulo à criação artística e o de melhor direção de arte de curta, no Festival Internacional de Cinema de Triunfo.

Trecho do livro

Castelo Branco, 02 de outubro de 1977


A linha de texto, acima, iniciava a carta que encontrei nas coisas da minha Avó Helena, junto com um colar. A carta estava dentro de uma caixa de madeira escura avermelhada, a tampa exibia a pintura de uma cobra indo em direção à cauda, clara referencia ao Ouroborus. Na verdade, a serpente era o “C” do logotipo da COLT e a caixa era o estojo de uma arma, o velho revólver 38 do meu avô Pedro, que minha tia Agnes levou da cada da minha avó Helena quando ela começou a ter os primeiros sintomas de depressão. Mesmo depois de procurar por tantas vezes nas coisas da minha mãe e achar muito sobre a história da minha família – fotos, roupas, documentos e até medalhas do meu avô militar – nunca havia me dado conta da caixa.

Estava no lugar onde ela guardava as coisas da minha avó. Sua cor velou-a de mim, por isso ficou por anos no fundo do guarda-roupa. Ao abri-la senti o cheiro do tempo. O eco dos antepassados.

Entrevista >> Bruno Vilela, autor

“Tento esculpir o tempo”

Como o livro dialoga com a trajetória como artista plástico?
Toda a minha obra anterior trata dos ritos ancestrais dos povos primitivos, dos rituais dos povos selvagens, das religiões comparadas e seus mitos e ícones. As pinturas e desenhos são, como eu sempre disse, frames de filme que nunca existiram. A narrativa é clara. A influência do cinema também. Tudo leva para a potencialização do que falta a tudo, desde então: O tempo. Esculpir o tempo, como disse Tarkovsky.

Por que a opção de fazer uma residência artística para compor o livro? Como a experiência enriquece o projeto e o inspirou?
O personagem principal, Joel, vive as aventuras dessa viagem. É um alterego. Eu vivi as aventuras dele em Portugal. Ao escrever, eu retorno às viagens, como aconteceram, ao realismo, e acrescento a criação, os mistérios com base nos mitos, medos, aventuras, paisagens, então surge realismo mágico.