Muito mais que vídeos feitos para arrancar gargalhadas
YouTube abriga uma infinidade de canais capazes de cativar público ao transmitir conhecimento e compartilhar experiências
Adriana Izel
Alexandre de Paula
Especial para o Diario
Publicação: 17/07/2016 03:00
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Fotografia de impacto e trilha sonora são marca do canal de André Pilli |
Se alguns famosos da internet conquistaram sucesso só com carisma, outros apostam na oferta de conteúdo mais elaborado e na transmissão de conhecimento para cativar o público. Receitas, experiências científicas, diferenças culturais, vídeos com fotografia e edição profissionais, tudo isso também pode caber na caixinha do YouTube e ajudar a atrair uma legião de fãs.
Os canais Manual do mundo e Ana Maria Brogui são exemplos de que ensinar e transmitir conhecimento pode ser uma maneira de chegar ao sucesso no mundo dos vídeos. Ensinando experiências e curiosidades científicas, o Manual do mundo (comandado por Iberê Thenório) alcançou mais de 6 milhões de inscritos e ostenta mais de 1 bilhão de visualizações.
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Experiências científicas estão no Manual do mundo. O Ana Maria Brogui ensina a fazer receitas famosas: já rendeu dois livros de culinária |
Já o Ana Maria Brogui, de Caio Novaes, chegou a 1,9 milhão de inscritos ensinando a fazer, no YouTube, receitas famosas. Com 132 milhões de visualizações, rendeu a publicação de dois livros com receitas ensinadas por Novaes. Para se ter uma ideia do poder de mobilização, uma transmissão ao vivo, feita em meados de junho, que desvendava como fazer o novo sanduíche do McDonald’s, teve 125 mil espectadores.
“A tevê já está por aí há mais de 60 anos. O YouTube acabou de completar 10. Há inúmeros nichos a serem explorados, em microcategorias indefinidamente, já que traz essa vantagem - você não precisa necessariamente ser abrangente e falar com milhões”, explica Otávio Albuquerque, o Tavião dos canais Rolê gourmet (com PC Siqueira) e Coisas que nunca vivi (ou evitava viver) - o primeiro com mais de um milhão de inscritos. “É possível fazer sucesso falando diretamente com grupos específicos de pessoas, levando a elas um conteúdo especializado que elas querem”, completa.
Para ele, há espaço para tudo na internet e é possível produzir conteúdo que vá além do mundo adolescente. “Meu esforço é o de produzir conteúdo que um público talvez mais maduro possa se interessar. Muitas pessoas criticam a internet, dizendo que só há conteúdo para jovens. Isso não é verdade, você só precisa saber procurar”, diz.
Há acadêmicos especialistas no assunto que concordam com Tavião. É o caso de Ademir Luiz, doutor em História pela Universidade Federal de Goiás (UFG), professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG) e responsável pelo artigo O intelectual público na internet: O caso do vlogueiro Felipe Neto (primeiro no Brasil a alcançar a marca de um milhão de assinantes no YouTube). Mas ele pondera: “Os (youtubers) mais intelectualizados costumam ter um público menor. Geralmente os mais populares falam o que o público deseja ouvir. Muitos formatos inovadores não frutificam, canais criativos possuem pouca audiência. Ser crítico, deliberadamente polêmico ou engraçado não garante necessariamente sucesso”, analisa.
“Consuma muito conteúdo”, é a dica de Tavião para quem quer se aventurar no YouTube. Conhecer o que se produz na ferramenta é fundamental, acredita. E muita gente, segundo o produtor, tenta embarcar na produção sem conhecer o que já se faz na plataforma. “Antes de colocar a mão na massa, é preciso pesquisar e estudar para garantir que você esteja produzindo o melhor conteúdo possível e que ele seja original e relevante dentro do ecossistema em que você está tentando entrar”, ressalta.
Quando começou a fazer vídeos para o YouTube, André Pilli se questionou se a maneira artística de produzir (fotografia elaborada) agradaria. Mas foi caprichando na edição, na qualidade da imagem e do conteúdo, que conquistou 250 mil inscritos e mais de 13 milhões de visualizações. “As pessoas começaram a perceber o valor e aderiram. Os vídeos de desafio e torta na cara nunca vão deixar de ser os mais vistos. Mas o tipo de conteúdo que produzo entra em algo mais de nicho”, conta. Pilli rejeita a ideia de que a segmentação seja um problema da internet e diz que é, na verdade, algo mais geral. “Toda mídia é assim, não é só a internet. Em todos os meios, o conteúdo que exige menos faz mais sucesso. Na tevê, nos livros”, acredita. Para ele, a internet é, de fato, a nova mídia a se seguir. “E também é a mais democrática em termos de produção e em termos de acesso”, aponta.
Para apreciar
Ponto em comum
O canal se propõe a responder perguntas cotidianas, seja de caráter científico ou prático. O clima de descontração, com linguagem simples, é a marca dos vídeos. São 20 mil assinantes.
Minutos psíquicos
Através da utilização de recursos animados, os produtores abordam temas como psicologia e o universo, com material para ser consumido em curto intervalo de tempo. Tem 128 mil seguidores.
Alimente o cérebro
Descobertas astronômicas, anatomia dos organismos vivos e outros assuntos concernentes à natureza alimentam o canal de 50 mil inscritos.
O curioso
O nome é autoexplicativo: curiosidades sobre temas da atualidade e questões ligadas à internet são tratadas com bom humor nos vídeos do canal. Tem 760 mil inscritos.
Minuto da Terra
Um time de especialistas se dedica a destrinchar tópicos e histórias de interesse da ciência, como alimentos, fenômenos climáticos, animais. 20 mil assunantes.
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Tavião: TV completou 60 anos e o YouTube só tem 10 |
Na sua visão, por que o YouTube se transformou em um fenômeno tão forte tanto para a produção quanto para o consumo de vídeos?
Acredito que por ser a plataforma mais democrática e poderosa para distribuir conteúdo a um número potencialmente gigantesco de pessoas. Pela primeira vez, vimos pessoas “normais” conseguindo produzir e veicular um conteúdo que gerava uma empatia imensa com o público. E o público, por sua vez, encontrou nesses novos produtores de conteúdo figuras cativantes com quem podiam facilmente interagir e se identificar.
Ainda há muito o que ser explorado no YouTube? É possível ser inovador?
Muito. A tevê já está por aí há mais de 60 anos. O YouTube acabou de completar 10. Ainda há inúmeros nichos a serem explorados e cada um pode ser explorado em microcategorias indefinidamente, já que o YouTube traz justamente essa vantagem - você não precisa ser abrangente e falar com milhões. É possível fazer muito sucesso falando diretamente com grupos específicos de pessoas, levando a elas um conteúdo especializado que elas querem.
Com o canal Coisas que nunca vivi (ou evitava viver), você propõe reflexões mais aprofundadas, mostra culturas diferentes e tem sucesso. Isso mostra que há espaço para esse tipo de trabalho na internet, que o conteúdo não tem que ser necessariamente raso, engraçado etc.?
Acho que há espaço para tudo, e meu esforço é justamente o de produzir conteúdo que um público talvez mais maduro possa se interessar. Muitas pessoas criticam a internet, dizendo que só há conteúdo para jovens. Isso não é verdade, você só precisa saber procurar. Mais do que isso: é verdade que há mais demanda do que oferta de conteúdo desse tipo no YouTube - e não vejo isso como problema, mas como oportunidade.