Escolhas sagradas Livro faz revelações sobre a trajetória do padre Edwaldo Gomes, de Casa Forte, como os conflitos com o ex-arcebispo de Olinda e Recife

JAILSON DA PAZ
jailsonpaz.pe@dabr.com.br

Publicação: 20/10/2016 03:00

 (Paulo Paiva/ DP )
Em dezembro, padre Edwaldo Gomes completa 46 anos à frente da Paróquia de Casa Forte, no Recife. O quase meio século de relação se equipara a um casamento. A comparação consta no livro Um padre nosso, da jornalista Vera Ferraz, que será lançado hoje. E quem a faz é o próprio sacerdote. “Eu me casei com ele”, afirma, ao relembrar de um dos momentos de maior tensão entre ele e o ex-arcebispo de Olinda e Recife, dom José Cardoso Sobrinho. O padre havia participado de um culto ecumênico com um bispo anglicano, motivo que fez o Vaticano, a partir de uma consulta do arcebispo, ordenar que se retratasse publicamente. Retratação feita, o casamento permaneceu de pé, pois àquela altura, em 2007, era mais do que um contrato cartorial. Era consequência de amizades feitas e renúncias pessoais, conforme outra revelação. Para ficar em Casa Forte, abdicou da indicação ao bispado da Diocese de Pesqueira.

A justificativa do “não” ao convite para comandar a diocese é a que guia padre Edwaldo há tempo. “Nada contra Pesqueira, mas senti que eu tinha muita coisa ainda a fazer por aqui ”, diz, em um dos 14 capítulos da obra, o dedicado à amizade dele com dom Helder Camara, arcebispo de Olinda e Recife de 1964 a 1985. A amizade de ambos era a ponto de o padre entrar e sair da casa do arcebispo “sem pedir licença” e na hora em que quisesse. “O que, para mim, era um privilégio”, considera. Privilégio e certamente razão do olhar atravessado do governo eclesial de dom José. O novo arcebispo levava a igreja por caminhos sociais, políticos e pastorais bem diferentes dos implantados por dom Helder. O pároco de Casa Forte era - e ainda é - um homem de pensamento e ações além das paredes do templo.

Vera traduz esse espírito do além- templo para páginas em que fala dos projetos sociais criados por padre Edwaldo. Alguns deles ainda sob a gerência da paróquia, a exemplo do Encontro de Irmãos. E ainda nos remete a tal espírito quando fala da firmeza do pároco para enfrentar agentes do regime militar e advogar por pessoas da igreja perseguidas pela ditadura. Em 1977, defendeu um missionário e um padre norte-americano, presos e torturados pela polícia. As características de bom orador e pregador incisivo levaram os interesses a acompanhar o que se passava na paróquia. Por isso, relata a autora, “seus amigos e as freiras da Sagrada Família (congregação com quem o padre convivia diariamente no bairro) temiam a prisão do padre”.

Vera Ferraz aborda, entre outros temas, projetos sociais criados pelo religioso (Paulo Paiva/ DP )
Vera Ferraz aborda, entre outros temas, projetos sociais criados pelo religioso

Enquanto resgata a história das relações do padre com a ditadura e a igreja, Vera Ferraz percorre trilhas de um Edwaldo plantado em família numerosa - teve 15 irmãos. Cinco deles morreram ainda criança, vítimas da difteria. Ele nasceu na hoje Barra de Guabiraba (nos anos 1930, parte do município de Bonito). À medida que envereda no processo de formação religiosa do sacerdote de 85 anos, a autora revela o quanto é privilegiada a memória dele. Ela detalha a organização interna do seminário, a divisão das turmas, as nuances da ordenação sacerdotal. E até o nome do alfaiate das vestes usadas nesta cerimônia, na Basílica do Carmo, no Recife. São memórias que ganham força no texto de estilo direto e fluído da autora.

Serviço

Um padre nosso, de Vera Ferraz
Cepe, 167 páginas (inclui 20 artigos escritos pelo padre)
Preço: R$ 30 (renda será revertida para obras sociais da paróquia)
Lançamento: hoje, às 18h30, na Livraria da Praça (Praça de Casa Forte, 426)

Trechos

“Edwaldo gostava do altar, da túnica branca que vestia e também do dinheirinho que recebia, como agrado, para tocar o sino da igreja no lugar do velho sacristão Francisco Guerra, o seu Guerra. ‘Iam me chamar na escola e eu saía da aula para cumprir essa missão com o maior prazer, até porque, eu não era o aluno dos sonhos de nenhuma professora e estava juntando o útil ao agradável’. O padre Chicó, por sua vez, não via futuro nele. Considerava-o e alegre demais para vir a ser mais tarde um homem de Deus.”

“Os militares do CPOR não lhe deram trégua. Havia sempre dois policiais na Praça fazendo a ronda perto da Igreja e da casa paroquial, que estava sempre cheia, de portas abertas e luzes acesas. ‘Um dia, um deles trouxe um recado de um coronel dizendo que ele estava preocupado comigo. Mandei resposta pelo mesmo portador informando que não tinha vocação para traidor e o que faço, eu faço às claras’. Padre Edwaldo representava uma interrogação na cabeça deles. Queriam decifrar a intenção de dom Helder ao nomeá-lo para Casa Forte.”  


Frases

“A impressão de que somos melhores desencadeia uma falsa ideia de nós mesmos e consequente desprezo pelos preferidos de Deus.”

“Eu creio na eternidade, mas não tenho pressa nenhuma de ir para lá.”

“O voto é secreto, mas Deus, que vê o escondido, sabe o que você fez naquela cabine. Não traia sua consciência por não ter votado ou por ter votado mal.”

“Ao longo do meu sacerdócio tenho grande admiração pela Igreja, mas nem sempre pelos homens da Igreja.”


Entrevista Vera Ferraz //  jornalista e escritora

O que a levou a escrever sobre padre Edwaldo Gomes?

Sou católica, mas nunca havia participado de conselhos e pastorais da igreja. Foi padre Edwaldo, por quem sempre tive respeito, que me convidou para integrar o conselho administrativo financeiro da paróquia. Respondi não ter as credenciais para a função. Ele me disse que eu tinha cabeça. Aceitei e comecei a conviver com ele e com um grupo de pessoas abnegadas que fazem a Festa da Vitória Régia. A festa a cada ano homenageia uma pessoa e arrecada fundos para as obras sociais da paróquia. Escolhemos padre Edwaldo para este ano. No começo, a proposta seria um livrinho, mas o livrinho foi crescendo.

Estar próximo da personagem central ajudou ou dificultou na escrita do livro?
Aprendi uma coisa como jornalista. Jornalista não pode enaltecer os amigos e nem derrubar os inimigos. Sentei com padre Edwaldo para entrevistá-lo como admiradora e saí mais do que nunca. Depois dos oito encontros que tivemos para a produção do livro, concluí que estou fazendo justiça.

Ao se falar do arcebispado de dom Helder, padre Edwaldo surge entre as figuras mais importantes da igreja, mas sua trajetória pouco mereceu estudos. Haveria uma injustiça histórica com essa trajetória?
Padre Edwaldo, com essa publicação, aparece pela primeira vez no centro de um livro. Ele, como mostra sua trajetória, não distingue pessoas e dá a todos o mesmo valor. É um padre que participa das comissões da paróquia e que é preocupado com os problemas dos paroquianos. Problemas espirituais e materiais. Um padre que se alia aos ricos para ajudar os pobres.