CARNAVAL 2017 » Devotos Tá valendo Banda pernambucana de punk rock celebra duas décadas do primeiro álbum com duas apresentações no carnaval e projeto de novo CD

Larissa Lins
larissa.lins@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 22/02/2017 03:00

 (ALINE SALES/DIVULGAÇÃO)

Nos anos 1990, os ônibus cujo itinerário levavam o pernambucano Cannibal para casa não subiam o Alto José do Pinho, onde ele vive. Cannibal descia na Avenida Norte e subia a pé. Junto com Neilton Carvalho e Celo Brown, amigos da vizinhança com quem montou a banda Devotos (naquela época, Devotos do Ódio), carregava ladeira acima instrumentos usados poucas horas antes, nos primeiros shows do grupo. Todo dia era dia de “baculejo” (revista policial) para aqueles três. Eles não pareciam ser músicos, os policiais diziam no percurso de subida.

Deitavam no chão, mostravam documentos, explicavam de onde vinham àquela altura da madrugada e como haviam conseguido guitarra, bateria, caixa de som. Quando não tinham dinheiro para o transporte coletivo, caminhavam até as casas de show - centros sociais urbanos instalados nas periferias do Recife e da Região Metropolitana, geralmente - e pegavam carona nos ônibus de volta para casa. A revista era uma etapa da maratona. Aceitavam qualquer show: precisavam de dinheiro suficiente para encher algumas vezes o tanque de um Gol Geração 1 que os levaria até São Paulo. Lá, gravariam o primeiro CD.

“Rolou ’treta’ e não deu certo. Chegamos a gravar todas as músicas, mas o disco não foi prensado. Fomos embora e nunca colocamos as mãos no material”, lembra Cannibal, vocalista e baixista da Devotos. Precisavam ser pacientes, mas tinham pressa. Voltaram aos “baculejos”, aos shows amadores divulgados em cartazes nos sebos do centro da cidade. A cena punk se articulava, alimentada pela efervescência musical do movimento mangue daquela década. O álbum de estreia dos Devotos do Ódio, contudo, viria somente em 1997, depois de nove anos na estrada, a convite do selo Plug/BGM. Agora tá valendo terá as duas décadas de lançamento comemoradas neste carnaval - com shows no Alto José do Pinho (dia 26, às 23h) e no Polo da Várzea (dia 27, às 21h20). O resgate faz os músicos revisitarem o início da carreira, composições mais antigas, os primeiros shows.

Nos palcos, executarão todo o repertório do álbum de estreia, na sequência em que foi registrado. Até músicas emblemáticas, jamais cantadas desde aquela época, como Hu, ha, hu, ha, se juntarão a faixas mais populares, como Punk rock hard core e Futuro inseguro. “Além dos efeitos particulares em nossas vidas, o disco teve grande impacto na comunidade do Alto José do Pinho. As pessoas começaram a subir o morro para falar conosco e, nisso, conheceram outras manifestações da periferia. Caboclinhos, maracatus, afoxés, outras bandas como a nossa. A cena sempre existiu, mas não era vista”, pontua o vocalista. Para ele, as letras de cunho social de Agora tá valendo são um grito da periferia por mais espaço e oportunidades.

Em paralelo aos shows comemorativos, o grupo grava novo CD, ainda sem título, a ser lançado este ano. Presente e passado se cruzam nos ensaios: “Enquanto gravamos coisas novas, treinamos o Agora tá valendo. Tem música que nem lembrávamos direito como tocar... Mas daquela época, lembramos de tudo”, diz Cannibal.