Um produtor na linha de frente Daniel Ganjaman defende a pluralidade musical e fala sobre a reinvenção necessária ao universo artístico diante das mudanças no consumo de cultura

Ângela Faria
edviver@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 26/06/2017 03:00

No dia 8 de julho, Criolo apresentará aos recifenses seu disco Espiral de ilusão. No fundo do palco, um moço com jeitão de japonês vai monitorar todos os detalhes, cuidando para que nada atravesse o samba que o rapper abraçou com tanto esmero nesse novo projeto. Daniel Sanches Takara é engenheiro de áudio, tecladista, toca contrabaixo e guitarra. Também compõe e canta. “Operário” das mesas de gravação, não é apenas produtor de mão cheia. Ganjaman é um dos arquitetos da música popular feita atualmente no Brasil.

Esse paulistano de 39 anos produziu ao lado de outros jovens talentosos o clássico Rap é compromisso (2000), aclamado disco solo de Sabotage. Graças a ele e a Marcelo Cabral, Criolo desistiu da ideia de parar de cantar. Os dois produziram os quatro álbuns do artista (Nó na orelha, Convoque seu Buda, Ainda há tempo e Espiral de ilusão). Ganjaman também participou de Nada como um dia após o outro dia (2002), álbum icônico do Racionais MCs, e de A invasão do sagaz homem fumaça (2000), de Marcelo D2 e Planet Hemp.

Ao contrário do que muita gente pensa, hip-hop não é a única praia dele. Ganjaman bate ponto na MPB e no rock. Garoto, participou da cena punk paulistana. Em 2001, lá estava ele entre os produtores de Samba esporte fino, que lançou Seu Jorge. Integrou o aclamado coletivo Instituto, que chacoalhou a música independente no início do século 21. Foi diretor musical do projeto de Criolo e Ivete Sangalo em homenagem a Tim Maia. Trabalhou com Nação Zumbi, Ratos do Porão, Otto, Clube do Balanço e Ivo Meirelles. Há 20 anos, sua família mantém o estúdio El Rocha em Pinheiros, na capital paulista, onde ele e os irmãos, Fernando Sanches e Mauricio Takara, “ralam” desde adolescentes.

“A gente tem que se reinventar cem vezes”, afirma Daniel Ganjaman, referindo-se aos desafios impostos a produtores como ele pela revolução tecnológica, pois paradigmas se quebram freneticamente diante da sucessão de novidades no consumo de música. A chegada do MP3, o arraso da pirataria, a onda do streaming e o avanço de plataformas como o YouTube vieram chacoalhar o coreto da indústria fonográfica e, sobretudo, dos músicos.

Resumindo: todo mundo - astro, estrela ou indie - teve de se renovar. Ganja diz que o momento impõe novos paradigmas aos artistas, que por um bom tempo viveram numa espécie de “bolha” - de certa forma alienados, acomodados ao modelo baseado em leis de incentivo e patrocínios.

“Agora, todos percebem a necessidade de se rearticular, empreender e se auto-organizar até de forma empresarial”, observa. “O grande mercado está totalmente bagunçado e nada indica que vá se estabilizar. Neste momento, temos o consumo de música via streaming e YouTube. Daqui a pouco, pode surgir algo diferente. Talvez o novo paradigma seja justamente a sucessão de metamorfoses”, especula.Por outro lado, lembra ele, a derrocada da indústria fonográfica tradicional veio acompanhada de saudável democratização.

Artistas já não dependem do aval de gravadoras: acessíveis, equipamentos cabem dentro de um quarto e dali saem discos incríveis. A música chega ao público pelas redes sociais - e não mais por decisão de manda-chuvas das majors. Com isso, ganharam visibilidade o rap, o funk carioca, o arrocha e outros ritmos que caíram no gosto do povão.

Samba no pé
Com Espiral de ilusão, Criolo mergulha na tradição do samba para celebrar a esperança e a alegria. “Esperavam da gente algo inovador, rap com música eletrônica, coisas assim. Pois fizemos o samba tradicional, que se vê pouco hoje em dia. Tem ali o samba caipira, a linguagem da Bahia, do Nordeste, o candomblé”, diz Ganja. O show de Criolo será no Baile Perfumado (Rua Carlos Gomes, 390, Prado), com ingressos a R$ 100 e R$ 50 (meia).