Música de desiludidos Com riqueza de detalhes e sem sucumbir às anedotas da boemia carioca, Zuza Homem de Mello esmiúça a história do samba-canção

Publicação: 20/01/2018 03:00

Foram 13 anos de pesquisa até que o musicólogo e pesquisador Zuza Homem de Mello concluísse Copacabana: A trajetória do samba-canção (1929-1958, um verdadeiro tratado sobre o cancioneiro popular brasileiro, publicado pela Editora 34 (511 páginas, R$ 80). Nesse período, surgiram ídolos de massa, cantaram-se histórias de desilusão e dores de cotovelo foram repetidas pelas rádios à exaustão. Surgido nas boates do Rio de Janeiro, o samba-canção rompeu as fronteiras de Copacabana e se tornou o gênero mais importante e longevo da música brasileira entre 1946 e 1958, quando nasceu a bossa-nova. A obra descreve com riqueza de detalhes a transição do velho samba, nascido no início do século 20, para a bossa. Um esmiuçador de fatos, destrinchando boatos e revelando histórias, Zuza remonta um período sem se preocupar com o anedotário da boemia carioca. “Não se trata de um livro sobre a vida noturna do Rio. É sobre o samba-canção”, crava.

O que nascia nas boates de Copa, depois do fechamento dos cassinos por ordens do governo federal, era grande demais para ser apenas música de boate. As antigas orquestras, de repente, eram dissolvidas em um ato político e seus músicos migravam para os pequenos palcos dos hotéis. Um novo formato de canção se apresentava, primeiro, para uma elite intelectual, até surgirem “os fracassados do amor”. Um dos capítulos mais iluminados se chama O refúgio barato dos fracassados do amor.

Os cantores populares que bebiam na mesma fonte de sambas-cancionistas cheios de classe, como Dick Farney, Johnny Alf e Tom Jobim no início de carreira, vão surgindo com os primeiros cases de sucessos fonográficos nacionais, expandindo o território do gênero. Ao mesmo tempo em que nomes como Herivelto Martins, Cauby Peixoto, Angela Maria, Dolores Duran e Adelino Moreira se tornavam os primeiros ídolos de massa, recebiam nos mesmos ombros uma carga pesada de preconceito da qual jamais se livrariam.

Ao escrever separando uns de outros e mostrando que samba-canção não é um aquário com peixes da mesma cor, Zuza também se coloca. “Os filhotes da vertente mais conservadora do gênero, menos preocupada com a inovação, geraram o que mais tarde ficou conhecida como música brega, depois de ter sido tachada de cafona”. Ele destaca o que considera essencial: “As pessoas precisam ouvir sobre aquilo de que falam”.  O samba-canção, contaminado pelo bolero latino-americano que inventaria a dor do amor em espanhol, não se trata de uma música de amor, mas do antiamor, ou desamor, fracasso, amor que nunca foi. Um sentimento emocionalmente niilista e ao mesmo tempo arrebatador em versos como “Ninguém me ama, ninguém me quer/ Ninguém me chama de meu amor”, de Ninguém me ama, do recifense Antonio Maria e Fernando Lobo, de 1952. Ou em “Negue seu amor, o seu carinho/ Diga que você já me esqueceu”, de Negue, popularizada por Nelson Gonçalves. “O samba-canção nunca será nem sequer politizado, nunca entra nisso. Ele será romântico no sentido negativo, se tornará a música dos perdedores”.

O fechamento propõe reflexão sobre o reduzido mas nunca terminado período do samba-canção: “Quando Tom Jobim vai conhecer João Gilberto, ele percebe que vai começar a fazer o mesmo. E Tom fazia samba-canção antes da bossa. A partir daquele momento, Jobim se aparta do samba-canção e começa a fazer bossa”. E, então, uma nova era começa. “O samba-canção faz a transição para a modernidade”. Uma percepção nas sutilezas que vale como a chave de ouro. (Agência Estado)