Retratos da família tradicional Novo livro de Cristovão Tezza, A tirania do amor, está imerso no atual momento político brasileiro, com um olhar meticuloso na elite financeira

Publicação: 23/04/2018 09:00

Desde o sucesso absoluto de O Filho Eterno (2007), Cristovão Tezza vinha se dedicando a compor um retrato da elite intelectual do Brasil com livros como Um Erro Emocional, O Professor e A Tradutora, segundo lugar na categoria romance do Jabuti do ano passado. Com seu novo romance, A Tirania do Amor, Tezza investe seu olhar meticuloso para outra elite: a financeira.

Otávio Espinhosa, o protagonista do livro é um economista que trabalha numa empresa de investimentos à beira de um escândalo político. Seu casamento está em pedaços e seu filho mais velho, um estudante de jornalismo, rejeita de maneira agressiva toda a vida e a filosofia do pai. Ele ainda tem que lidar com a frustração de ter visto sua carreira acadêmica ridicularizada por uma banca e, na primeira linha do romance, decide renunciar à vida sexual.

O livro traz a construção de frase cuidadosa e densa que consagrou Cristovão Tezza como um dos ficcionistas mais importantes do país. (Agência Estado)

Entrevista - Cristovão Tezza // escritor

Na sua visão de ficcionista, como as duas “elites” se aproximam e como elas se afastam?
Imagino que a elite intelectual brasileira contemporânea, cuja voz exerce influência e ressonância nos meios de transmissão de cultura, tem origem e formação na universidade pública, e é predominantemente da classe média urbana. Boa parte vive em torno do aparato do Estado, mas não se confunde com a elite política. Esse perfil tem consequências na concepção de mundo da nossa elite intelectual, que tende a ser estatizante e um tanto nefelibata (porque está relativamente distante da vida real e concreta dos que vivem com menos segurança social e econômica). Não vai aqui juízo de valor: quando faço esse perfil, penso no processo da minha própria formação. Já a elite financeira vem de toda parte, porque, afinal, o capital é selvagem por natureza e o Brasil é um país profundamente iletrado. A lei tem seu papel relevante, é verdade, mas é o lastro cultural que determina se o magnata das finanças vai parar na cadeia por corromper políticos ou se vira referência filantrópica.

Você acredita que a ficção literária pode ter algum papel na discussão geral do País?
A ressonância da literatura, hoje, é praticamente nula; a arte da ficção literária está virando quase que um nicho de mercado. Nesse sentido, o seu papel parece realmente mínimo. Mas não importa; escrever literatura não é uma atividade pragmática. A ficção é uma linguagem que comenta todas as outras, sem se confundir com nenhuma delas.

O romance instrumentaliza um sentimento comum: enquanto governantes, grandes empresários e etc. decidem rumos do País, pessoas continuam com seus problemas comuns e cotidianos. Esse sentimento está mais presente na sociedade e na literatura nos últimos 5 anos?
Para a esmagadora maioria da população, pensar nas questões políticas é pouco mais que um passatempo, uma forma de marcar um espaço ou uma identidade social. Para quase todo mundo, e na medida em que o País parece andar sozinho e sem nenhuma hecatombe institucional, a política exerce uma ressonância apenas de superfície. O que realmente nos preocupa não é a prisão do Lula ou a conversa de garagem do Temer; é se o encanador vem mesmo resolver o vazamento do banheiro, a quantas anda a vida sexual, de quanto será o reajuste do aluguel, se o filho vai tomar jeito, se a mulher vai pedir divórcio, se o computador pifou, se o carro bateu, se o namorado está traindo etc. Nossa vida concreta é uma cadeia ininterrupta de supostas miudezas, mas são elas que nos deixam em pé. A literatura de ficção trata exatamente disso; trata de pessoas.

Como você nota a mudança com que seus personagens masculinos passaram a se relacionar com as personagens mulheres?
Obviamente, as formas culturais das relações afetivas entre os gêneros vêm mudando profundamente nas últimas décadas. Talvez estejamos vivendo no epicentro de algumas mudanças radicais, sobre as quais ainda não temos controle ou mesmo uma visão clara de suas consequências sociais. Nunca pensei especificamente sobre isso nos meus livros, embora desde os primeiros romances eu tenha procurado dar forma a vozes femininas autônomas.