A dor e a delícia do tempo Antes que eu me esqueça, comédia dramática de Tiago Arakilian, estreia hoje no cinemas, trazendo o delicado tema do Alzheimer

BRENO PESSOA
breno.pessoa@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 24/05/2018 09:00

Memória e afeto estão intimamente ligados na trama de Antes que eu me esqueça, primeiro longa-metragem de ficção de Tiago Arakilian, que estreia hoje nos cinemas. A comédia dramática, escrita pelo cineasta, traz como personagem central Polidoro (José de Abreu), juiz aposentado que começa a sentir os efeitos do Alzheimer e vê os dois filhos, Bia (Leticia Isnard) e Paulo (Danton Mello), discutindo a possibilidade de internar o relutante pai em uma casa de repouso.

Há anos distante do pai, Paulo acredita que Polidoro, tendo por volta dos 80 anos, tem plena capacidade de continuar levando a vida da mesma maneira, morando sozinho e contando com o auxílio apenas de uma empregada. Já Bia, acha mais sensato tentar na justiça a interdição do pai. Uma decisão judicial, no entanto, leva Paulo e Polidoro a retomarem o contato, sob supervisão da desembargadora Maria Pia (Mariana Lima).

Menos por conhecimento do quadro do que por uma atitude alheia ao pai, Paulo se opõe à interdição e tenta ajudar Polidoro na tentativa de provar à justiça que tem condições de manter a sua independência. Em meio a essa situação, o aposentado decide tomar uma decisão inusitada: investir o seu dinheiro em uma decadente casa de strip-tease.

Se à primeira vista o investimento tem relação com a sua libido, o desenrolar da história mostra também uma busca por afeto e contato com outras pessoas. Isolado e com os filhos pouco presentes, o idoso sente, progressivamente, a perda da lucidez. “É a dureza de ter memória o suficiente para saber que está perdendo ela”, diz José de Abreu sobre o grande conflito interno do personagem. O ator, que completa 72 anos hoje, dia da estreia do filme, considera simbólico protagonizar um filme sobre esse tema a esta altura da carreira. “Todo mundo envelhece”, lembra Abreu, que estreou como ator justamente nos cinemas, 50 anos atrás, no longa Anuska, Manequim e Mulher, de Francisco Ramalho Jr.

Com boas atuações da dupla de protagonistas, o filme consegue extrair os melhores momentos a partir da relação afetuosa entre os dois. Por outro lado, a performance de Guta Stresser como Joelma, uma das dançarinas do estabelecimento, causa incômodo pelo sotaque nordestino forçado, pouco convincente e estereotipado.

O tom predominantemente leve do início do filme é contrabalanceado por uma maior carga dramática que vai se desenrolando, nem sempre da maneira mais natural. Embora tenha momentos tocantes, por vezes há a sensação de que certos acontecimentos foram pensados apenas para trazer certa redenção aos personagens. Ainda assim, é um filme interessante pela temática, que é abordada de forma delicada e respeitosa.