O processo até o impeachment Documentário de Maria Augusta Ramos faz um apanhado cronológico, dos acontecimentos que culminaram na saída da presidente Dilma

BRENO PESSOA
breno.pessoa@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 16/05/2018 03:00

Se talvez o distanciamento histórico possibilite maior compreensão sobre determinados acontecimentos, um olhar apurado sobre o tempo atual também pode render importantes reflexões a respeito do presente. O processo, documentário de Maria Augusta Ramos em cartaz a partir de amanhã, direciona o olhar para um dos eventos mais impactantes da política brasileira: o impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Ao longo de mais de duas horas, o filme faz um apanhado, em ordem cronológica, dos acontecimentos que culminaram na saída de Dilma da presidência, em 31 de agosto de 2016, sob acusação de ter cometido crimes de responsabilidade fiscal. Apesar de relativamente longo para a média de produções do gênero, os 137 minutos de duração refletem um exercício de síntese, já que a diretora e equipe acumularam 450 horas de material filmado.

Diferentemente dos documentários tradicionais, O processo não traz entrevista ou narrações e evita intervenções dos realizadores no desdobrar da história. Espécie de pot-pourri de como se deu o impeachment, a produção faz um apanhado do que houve de mais expressivo no período que abarca o afastamento de Dilma do cargo até a posse do atual presidente, Michel Temer.

Ainda que tenha sido um acontecimento amplamente mediatizado, com votações na Câmara dos Deputados e no Senado transmitidas ao vivo pela TV e internet, muito do que é visto no filme é material inédito. Isso porque, além dessas imagens já bastante conhecidas, O processo traz diversos registros de bastidores, em salas de reunião e corredores do Congresso Nacional.

Mesmo que a ex-presidente esteja no cerne do filme, quem mais se vê em tela são figuras como o advogado José Eduardo Cardozo, responsável pela defesa de Dilma no processo, e os senadores petistas Gleisi Hoffmann e Lindbergh Farias, além da jurista Janaína Paschoal, advogada de acusação. “Não foi permitido o acesso que gostaria de ter tido a alguns parlamentares”, diz Maria Augusta a respeito da menor presença em tela dos que defendiam a saída da presidente.

Até pela inexistência de grandes novidades, o grande trunfo de O processo não é trazer fatos novos, mas condensar e registrar eficientemente um evento longo e cheio de nuances. Mesmo sem esforço de didatismo para explicar os aspectos mais técnicos debatidos pela defesa e acusação, a narrativa é clara e acessível.

Reconhecimento
Já tendo circulado por inúmeros festivais internacionais, o filme levou um prêmio de júri popular no Festival de Berlim, em fevereiro, e mais recentemente, venceu o prêmio de melhor longa-metragem internacional no Festival Documenta Madri, na Espanha. A produção ainda abocanhou o Prêmio Silvestre e o Prêmio do Público de melhor longa-metragem no Festival Indie Lisboa, em Portugal, e foi eleito o Melhor Longa-Metragem na Competição Internacional do Festival Internacional de Documentários Visions du Reel, em Nyon, Suíça.

Entrevista - Maria Augusta Ramos // cineasta

Como se deu a ideia de fazer o filme?

Foi uma necessidade, muito grande, que eu senti. De entender esse processo todo, documentar isso. É um processo fundamental para a história brasileira e que tem tido consequências muito sérias para o país. Eu faço filmes sobre temas e sujeitos que me instigam, me inspiram, me angustiam.

Embora Dilma seja uma figura central, ela não é tão vista no filme. Por que essa escolha?
O filme foca no processo, não na presidente. Claro que ela é a protagonista fundamental, mas não é sobre ela. Ela é ré, aparece em momentos essenciais, importantes, e a visão dela fica muito clara. Mas não é sobre ela ou a perspectiva dela, mas sobre o processo jurídico e como ele se deu.

O filme também registra situações embaraçosas de figuras políticas, que provocaram risos durante a pré-estreia no Cinema São Luiz (no dia 10). Apesar dos desdobramentos do processo, você acha que essa reação sinaliza que o público já não encara mais o evento como algo dramático?
Eu acho que é um riso meio nervoso. É um processo que foi tão doloroso para todos nós que, acredito, nesses momentos de humor, eles riem também por uma catarse. É um filme difícil de assistir, ele traz de volta um momento difícil, doloroso. Lá fora (no exterior), as pessoas não interagem tanto, porque não viveram de perto o que a gente viveu. As pessoas se identificam, de maneira universal, pelos dilemas e desafios da democracia no mundo inteiro.

Causa desconforto rever o filme frequentemente, em festivais e outros eventos?

Não me traz desconforto. Tenho visto o filme constantemente, eu gosto de ver os diversos públicos e cada vez eu descubro um elemento novo, um gesto novo, uma fala nova. Foi um processo difícil de filmar e editar, eu convivi com esse material por muito tempo. Eu acho que o filme possibilita ver esse processo na sua totalidade, nas suas diversas narrativas. Os protagonistas são pessoas interessantíssimas e o filme também os humaniza. Eu gosto de reviver esse processo com aqueles protagonistas.

Acha possível abordar esse conteúdo de maneira imparcial?

Não existe filme imparcial. Nenhuma obra é isenta, tudo é político, mesmo aquele que não se diz político. Há uma visão política e social, ela é revelada no filme. É a minha proposta de cinema, minha visão de cinema, estética, e ética, está inserida no filme. Mas o filme tem que ser muito maior do que minha visão, não pode ser simplesmente minha visão como indivíduo, precisa ir além, ser capaz de tocar.