Um assalto que virou filme
Sem atores profissionais no elenco, Os ciganos de Ciambra estreia hoje nos cinemas da Fundação
BRENO PESSOA
breno.pessoa@diariodepernambuco.com.br
Publicação: 10/05/2018 09:00
Em 2011, enquanto filmava um documentário em uma área pobre da Calábria, no sul da Itália, o diretor Jonas Carpignano teve o carro roubado. Por sugestão de um amigo, foi conversar com ciganos que residem no local e conseguiu, na base do diálogo, recuperar o veículo. O incidente aguçou o interesse do cineasta pela comunidade cigana, que acabou sendo o tema central do seu longa-metragem seguinte, Os ciganos de Ciambra, em cartaz a partir de hoje nos cinemas da Fundação do Derby e do Museu do Homem do Nordeste.
Carpignano, em sua breve filmografia, tem demonstrado interesse particular por grupos geralmente postos à margem da sociedade. Em Mediterrânea (2015), longa-metragem de estreia, abordou o dia a dia de refugiados africanos na Itália. Nesta nova produção, o olhar sobre os ciganos é conduzido a partir do protagonista Pio (Pio Amato), um adolescente de 14 anos que tenta, a todo momento, se provar um adulto perante a família. E, não raro, toma atitudes inconsequentes, se envolvendo em bebedeiras e confusões. O cenário de extrema pobreza da Ciambra, onde vive o garoto e sua família, é controlado pela máfia local e habitado também por italianos e refugiados africanos.
Sem atores profissionais, os integrantes do elenco são residentes da própria comunidade e representam a si mesmo no filme. Pio, aliás, é irmão do responsável pelo roubo do veículo do diretor anos antes. “Eu não o percebi, estava muito agitado na ocasião, tentando recuperar meu carro”, relembra o diretor, contando que, após o incidente, passou a ser perseguido pelo adolescente. “Depois, eu o notei e percebi a curiosidade. E essa relação foi crescendo pelo fato de que estávamos, os dois, interessados em um conhecimento mútuo mais profundo”, acrescenta.
Com diálogos elaborados em colaboração com os moradores de Ciambra e performances bastante espontâneas, o filme transmite uma boa dose de realismo à narrativa. “O quadro geral é de ficção, mas a maneira como escrevo é bastante documental. Eu experimentei algo e transpus para o roteiro como um documentário, com o cuidado de não me incluir na estrutura da história”, explica Carpignano.
De ritmo inicialmente lento mas bastante dinâmico após os primeiros 20 minutos, Os ciganos de Ciambra faz crítica social ao mesmo tempo que conta, também, uma história sobre amadurecimento. Complexo e interessante, Pio é um personagem cativante, vindo de uma paisagem igualmente intrincada e poucas vezes observada por quem está de fora dela.
3 perguntas - Jonas Carpignano // cineasta
No longa anterior, você aborda a questão dos refugiados a partir de um personagem central e, neste novo filme, faz algo parecido a respeito dos ciganos. Por que contar histórias dessas comunidades desses indivíduos?
Eu não estou contando a minha história mas, sim, histórias de outras pessoas. E para contá-las, eu preciso sentir como se as conhecesse muito bem. Eu nunca seria presunçoso ao ponto de, em um curto espaço de tempo, compreender coisas maiores desse mundo. O que eu posso fazer é conhecer as pessoas que habitam esse mundo e, a partir delas, mostrar uma perspectiva única. Eu me sinto mais familiar com um tema a partir do momento em que eu tenho uma espécie de guia para determinado mundo.
Acredita que é possível transmitir um senso de universalidade mesmo em cenários da Itália?
Claro que a experiência de ser imigrante é diferente em cada lugar. Mas acho que, se pegarmos uma história específica, a experiência de uma pessoa, podemos ter uma ideia mais universal de como é aquele mundo. Eu não quero contar a história de todos os ciganos na Calábria. Quero contar a história de Pio porque sinto que o conheço muito bem. E, a partir disso, espero que o público tenha uma ideia de como é viver dessa maneira.
Acho que é possível fazer um paralelo com comunidades periféricas do Brasil.
Sim, nos lembra as favelas. São, igualmente, comunidades à margem, guiadas por um compasso moral próprio. Em nenhum momento eu quis julgar as pessoas da Ciambra a partir dos ideais de outras pessoas. Eles têm suas próprias regras, uma maneira de enxergar o mundo.
Carpignano, em sua breve filmografia, tem demonstrado interesse particular por grupos geralmente postos à margem da sociedade. Em Mediterrânea (2015), longa-metragem de estreia, abordou o dia a dia de refugiados africanos na Itália. Nesta nova produção, o olhar sobre os ciganos é conduzido a partir do protagonista Pio (Pio Amato), um adolescente de 14 anos que tenta, a todo momento, se provar um adulto perante a família. E, não raro, toma atitudes inconsequentes, se envolvendo em bebedeiras e confusões. O cenário de extrema pobreza da Ciambra, onde vive o garoto e sua família, é controlado pela máfia local e habitado também por italianos e refugiados africanos.
Sem atores profissionais, os integrantes do elenco são residentes da própria comunidade e representam a si mesmo no filme. Pio, aliás, é irmão do responsável pelo roubo do veículo do diretor anos antes. “Eu não o percebi, estava muito agitado na ocasião, tentando recuperar meu carro”, relembra o diretor, contando que, após o incidente, passou a ser perseguido pelo adolescente. “Depois, eu o notei e percebi a curiosidade. E essa relação foi crescendo pelo fato de que estávamos, os dois, interessados em um conhecimento mútuo mais profundo”, acrescenta.
Com diálogos elaborados em colaboração com os moradores de Ciambra e performances bastante espontâneas, o filme transmite uma boa dose de realismo à narrativa. “O quadro geral é de ficção, mas a maneira como escrevo é bastante documental. Eu experimentei algo e transpus para o roteiro como um documentário, com o cuidado de não me incluir na estrutura da história”, explica Carpignano.
De ritmo inicialmente lento mas bastante dinâmico após os primeiros 20 minutos, Os ciganos de Ciambra faz crítica social ao mesmo tempo que conta, também, uma história sobre amadurecimento. Complexo e interessante, Pio é um personagem cativante, vindo de uma paisagem igualmente intrincada e poucas vezes observada por quem está de fora dela.
3 perguntas - Jonas Carpignano // cineasta
No longa anterior, você aborda a questão dos refugiados a partir de um personagem central e, neste novo filme, faz algo parecido a respeito dos ciganos. Por que contar histórias dessas comunidades desses indivíduos?
Eu não estou contando a minha história mas, sim, histórias de outras pessoas. E para contá-las, eu preciso sentir como se as conhecesse muito bem. Eu nunca seria presunçoso ao ponto de, em um curto espaço de tempo, compreender coisas maiores desse mundo. O que eu posso fazer é conhecer as pessoas que habitam esse mundo e, a partir delas, mostrar uma perspectiva única. Eu me sinto mais familiar com um tema a partir do momento em que eu tenho uma espécie de guia para determinado mundo.
Acredita que é possível transmitir um senso de universalidade mesmo em cenários da Itália?
Claro que a experiência de ser imigrante é diferente em cada lugar. Mas acho que, se pegarmos uma história específica, a experiência de uma pessoa, podemos ter uma ideia mais universal de como é aquele mundo. Eu não quero contar a história de todos os ciganos na Calábria. Quero contar a história de Pio porque sinto que o conheço muito bem. E, a partir disso, espero que o público tenha uma ideia de como é viver dessa maneira.
Acho que é possível fazer um paralelo com comunidades periféricas do Brasil.
Sim, nos lembra as favelas. São, igualmente, comunidades à margem, guiadas por um compasso moral próprio. Em nenhum momento eu quis julgar as pessoas da Ciambra a partir dos ideais de outras pessoas. Eles têm suas próprias regras, uma maneira de enxergar o mundo.