Correção de uma visão estereotipada

Publicação: 17/12/2018 03:00

A força da miscigenação na obra de Amado sempre foi coroada de elogios. “A generalizada e estereotipada visão de que o Brasil seria reduzível à soma mecânica das populações brancas, negras, mulatas e índias, perspectiva essa que, em todo caso, já vinha sendo progressivamente corrigida, ainda que de maneira desigual, pelas dinâmicas do desenvolvimento nos múltiplos setores e atividades sociais do país, recebeu, com a obra de Jorge Amado, o mais solene e ao mesmo tempo aprazível desmentido”, diz José Saramago, de quem o baiano foi amigo afetuoso - ambos tinham uma combinação de que fariam uma bela comemoração ao primeiro deles que vencesse o Prêmio Nobel de Literatura, o que acabou acontecendo em 1998, com a escolha do português. Saramago gostava de contar que foi surpresa para muita gente descobrir nos livros de Amado a complexa heterogeneidade, não só racial, mas cultural da sociedade brasileira.

A obra de Jorge Amado nunca foi unânime, especialmente entre os críticos, apesar da legião de leitores fiéis. “Geração após geração, há sempre críticos mais conservadores que não aprovam as escolhas feitas por ele. Quando foi lançado Gabriela, um resenhista reclamou que Amado tinha transformado uma doméstica em heroína”, explica Joselia, lembrando que a aposta no humor e no erotismo, mais presentes após a década de 1960, era alvo de reclamações. “Como sua obra tratava de muitos dos problemas do Brasil, é impossível que não atingisse grupos ou certas concepções. Mas o fato é que Amado passa a escrever melhor conforme o tempo passa, e nem todos os críticos se dedicam a acompanhar isso.” E arremata: “Era um autor popular, mas não se pode dizer que era um autor comercial ou superficial”.

Joselia desmente ainda que Amado teria uma tendência ao ócio, reforçada pelo estereótipo da baianidade (na verdade, o escritor levantava-se às 4h, seja para escrever ou para responder cartas), e ainda descobriu o original de um romance inédito, Rui Barbosa Nº 2, de 1930, portanto, seria seu segundo romance se não fosse descartado pelo autor, desgostoso por não acreditar que dali se apresentaria algo novo.

“Quando começou a escrever ficção, Amado já sabia que havia romances de autores burgueses feitos para a burguesia. Por isso, mirava outro leitorado, buscando, como dizia, os jovens trabalhadores. Isso na década de 1930”, observa. “É um tipo de livro que tem um sentido de formação de leitor, ótimo para um país de maioria analfabeta. Desde cedo, Amado não quis escrever para o grupo de literatos a que podia ter pertencido. Queria ser lido por todos, o que significava fazer certas escolhas literárias.”