BBB em tempos de polarização Reality se renovou ao se apropriar de fenômenos que ascenderam nas redes sociais, como influenciadores

EMANNUEL BENTO
emannuel.bento@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 20/02/2020 03:00

A sensação de estar dentro de uma casa, acompanhando o cotidiano de pessoas desconhecidas em tempo real, foi algo revolucionário quando o Big brother estreou no início dos anos 2000. O reality show é um dos poucos gêneros totalmente criados para a era televisiva, assim como o videoclipe - outras linguagens foram herdadas dos jornais impressos e das rádios. A versão brasileira, na TV Globo, foi um sucesso absoluto por muitos anos. Desde meados da década de 2010, no entanto, os índices de audiência caíram, sobretudo em 2015 e 2019. Falta de ineditismo, narrativas repetitivas ou pouco atraentes foram alguns dos motivos. Neste ano, a febre do BBB conseguiu uma renovação por se apropriar de fenômenos que ascenderam nas redes sociais, como polarização ideológica, influenciadores digitais e cultura do “cancelamento”. O reality tem tentado funcionar como um “zeitgeist”, um “espírito” de nossos tempos.

A popularização das pautas identitárias nos últimos anos, que aprofundaram discussões sobre machismo, racismo e LGBTfobia, criaram cisão na sociedade e isso chegou ao programa. Paula von Sperling, indiciada por intolerância religiosa por frases ditas enquanto confinada, venceu a edição do ano passado. Isso fez com que muitos espectadores entendessem que a atração estava acompanhando um certo imaginário reacionário do Brasil. Em 2020, o elenco parece ter sido orquestrado propositalmente para criar embates provenientes da polarização. De um lado, mulheres feministas e empoderadas. Do outro, homens pouco ligados (até avessos) às questões identitárias. O estopim do conflito foi quando alguns deles tiveram a ideia de promover um “teste de fidelidade” com as meninas comprometidas na casa.

Essa dualidade conseguiu insuflar as redes. Algumas controvérsias incluíram até perícia policial. Ainda na segunda semana, o atleta Petrix Barbosa foi acusado de protagonizar uma série de assédios, como quando apalpou os seios da influenciadora Bianca Andrade (a Boca Rosa), então embriagada. Os casos ocasionaram advertências e criaram uma onda de impopularidade que resultou na eliminação de Petrix com 80,27%. Hadson, desse mesmo grupo, foi eliminado com 79%. Na última terça, foi a vez de Lucas, com 62,62% de rejeição.

“A dinâmica do Big brother sempre acaba polarizando as pessoas da casa, mas em outras edições esse fenômeno ocorreu por outras ordens. No BBB 9, por exemplo, tivemos a casa inicialmente dividida entre ‘ricos e pobres’, o que se perpetuou durante todo o jogo”, explica Ariane Holzbach, professora de Estudos de Mídia da Universidade Federal Fluminense (UFF) e uma das organizadoras do livro TeleVisões: Reflexões para além da TV (2018).

A 20ª edição também está marcada por convidar um time de influenciadores para compor o elenco. Segundo Holzbach, esse movimento aparece para rejuvenescer o formato e conectar o universo digital com a TV aberta (que parecem ter públicos cada vez mais distintos). “A fórmula do Big brother foi explorada à exaustão. A partir de 2015, as mídias entraram em um processo de revolução. O cotidiano das pessoas está circulando em outras esferas. Existiram alguns testes de celebridades digitais no BBB antes, mas agora isso se transformou numa grande contenção da edição. A Globo se apropriou do que está acontecendo nas redes, seja pelas pautas ou pelos participantes.”

As celebridades, em equivalência, entraram no reality buscando novos públicos. Mas alguns não contavam com a complexidade da exposição televisiva em tempo real, que reforça fenômenos como a cultura do “cancelamento” - quando pessoas são atacadas coletivamente nas redes por terem dito algo considerável condenável, ofensivo ou preconceituoso ou agido de tal forma. Bianca Andrade, com 9 milhões de seguidores, foi “cancelada” por defender o grupo masculino em diversas ocasiões. O youtuber Pyong Lee prejudicou sua imagem ao ser foi visto apalpando as nádegas da cantora Flayslane e tentando beijar a médica Marcela McGowan em festa. Ele é casado.

“Os influenciadores não agem como as celebridades que nasceram dentro da TV ou do cinema. Na internet, essas pessoas falam para seus seguidores, que geralmente compartilham as mesmas visões de mundo e podem aceitar opiniões fortes ou politicamente incorretas. Quando influenciadores são colocados dentro da maior emissora da América Latina, existe uma imprevisibilidade muito grande do que pode acontecer. São limites perigosos de romper dentro da TV hegemônica. O que elas fazem e falam tomam proporções gigantescas.”

As estratégias da Globo surtiram efeito. O primeiro mês de exibição teve aumento de 10% de audiência em comparação ao mesmo período da edição anterior. O BBB 20 já arrecadou R$ 255 milhões em publicidade, um recorde na história do reality. Pelos números, o objetivo é que o “grande irmão” - termo imortalizado pela obra de George Orwell - se perpetue por muitos anos.

Além da tela

BBB 5
Houve polarização entre um grupo formado por participantes como Jean Wyllys (gay assumido e, hoje, político) e Grazi Massafera (atualmente atriz) e outro composto por, em sua maioria, homens.

BBB 11
Ariadna Arantes foi alvo de polêmica ao ser a primeira participante transexual da história do programa. A casa ficou sabendo de sua identidade de gênero no dia da eliminação, na primeira semana.

BBB 12
O modelo Daniel Echaniz, de 31 anos, foi expulso enquanto a emissora apurava a suspeita de estupro contra Monique Amin. Ao sair da casa, ela negou e o inquérito acabou arquivado.

BBB 17
Marcos Harter foi eliminado quando foi aberto um inquérito de agressão contra Emilly Araújo, sua namorada na casa. O médico foi convidado para participar de A fazenda de 2018.

BBB 19
A vencedora Paula von Sterling foi indiciada pelo crime de injúria por intolerância religiosa. “Tenho medo do Rodrigo. Ele mexe com esses trecos... ele sabe cada Oxum deles lá. Nosso Deus é maior”, afirmou, referindo-se a um participante.

Números
  • Percentuais de rejeição do BBB 20, os “cancelados”:
    - Chumbo 75,54%
    - Petrix  80,27%
    - Hadson 79,71%
    - Lucas 62,62%

  • 20 edições já foram realizadas

  • 316 participantes

  • 1.538 programas exibidos

  • 95% recorde de rejeição, com Aline (BBB 5)

  • 42 h/58 min recorde de prova de resistência. No BBB 18, Ana Clara e Kaysar resistiram por 42 horas e 58 minutos em pé numa plataforma giratória

  • 47,5 pontos média de maior audiência (BBB 5)

  • 20,4 pontos média de menor audiência (BBB 19)