A boneca sob a sombra do rei
Com estética belíssima e sutilmente sufocante, diretora Sofia Coppola mostra em "Priscilla" o outro lado de Elvis Presley a partir da convivência com a esposa
André Guerra
Publicação: 03/01/2024 03:00
Aos 14 anos, Priscilla Beaulieu, natural de Nova York, morava com os pais na cidade de Bad Nauheim, na Alemanha, em 1959, quando conheceu em uma festa o já célebre Rei do Rock, Elvis Presley, então com 24 anos. O cantor não demorou a demonstrar interesse na menina e, apesar das reservas da família dela com a diferença de idade, os dois começam a se relacionar. Convidada a viver na famosa mansão Graceland, nos Estados Unidos, Priscilla se torna parte da vida de Elvis e, em 1967, quando já está de maior, os dois finalmente se casam, dando início a uma relação que resultaria na sua filha, Lisa, e duraria até 1973, poucos anos antes de o artista falecer.
Adaptado do livro autobiográfico ‘Elvis e eu’ e dirigido por Sofia Coppola (Encontros e desencontros, Um lugar qualquer, O estranho que nós amamos), Priscilla, em cartaz, começa como um estranho conto de fadas se tornando realidade, mas revela delicadamente a sua natureza opressiva. O curioso é que essa opressão já é registrada visualmente nos primeiros minutos simplesmente através da escalação: Jacob Elordi, que interpreta Elvis, é quase 15 cm mais alto do que o cantor era na vida real, enquanto Cailee Spaeny, que vive a protagonista, é quase 10 cm menor do que a Priscilla verdadeira. Se a relação de um homem de 24 anos com uma adolescente de 14 já é perturbadora de qualquer forma, torna-se ainda mais desconfortável com a discrepância de altura que o filme potencializa. Vista na tela, ela sempre parece aquilo que viria a se tornar: uma boneca refém da vida no castelo do rei.
Conhecida pelo minimalismo narrativo e pela suavidade visual, Coppola faz em Priscilla praticamente a antítese de Elvis, de 2022. Tudo o que o filme de Baz Lurhmann tinha de frenético, hiperativo e exuberante – mostrando o artista como um mito manipulado pelo seu empresário – este aqui tem sutil, introspectivo. Ela se volta à humanidade dos personagens e não à imagem idealizada deles. O Elvis de Elordi jamais é visto cantando/dançando, mal se escuta as suas músicas icônicas e, salvo por breves passagens com fãs enlouquecidas, ele raramente é visto sob grandes holofotes.
A atuação discreta de Spaeny, vencedora do prêmio de melhor atriz no Festival de Veneza, transmite muito bem a palpitação do começo, o desejo intenso de pertencer àquele mundo e, depois, a angústia de estar no que é um belo exemplo de gaiola de ouro. O trabalho de maquiagem e figurino, aliás, é central nesse processo de fazê-la convencer perfeitamente tanto como uma menina inocente quanto como uma mulher feita, com seu acúmulo de frustrações.
Nascida no meio cinematográfico e, portanto, totalmente familiarizada com celebridade e privilégios, a diretora já explorou outras vezes em sua filmografia o universo da riqueza com um olhar desencantado, entediado ou, no caso agora, contrastado entre o deslumbre e a sensação crescente de aprisionamento. Impedida de trabalhar pelo marido e alvo recorrente dos chiliques e caprichos dele, Priscilla, a personagem, é frequentemente enquadrada entre altas paredes ou isolada em cômodos espaçosos que a oprimem, enquanto a fotografia cheia de luzes e planos-detalhe estilizados evocam o luxo que maquia o relacionamento abusivo.
Embora faça uso de clichês textuais para ligar blocos narrativos – já que precisa resumir uma passagem relativamente longa de tempo em uma duração compacta –, Priscilla é um retrato sufocante de uma existência suprimida pela energia solar de outra. É, também, mais uma demonstração do talento e da sensibilidade de Sofia Coppola para, sem fazer esforço, exprimir uma série de informações emocionais a partir de histórias das quais, provavelmente, boa parte das pessoas não imaginava que pudessem render.
Adaptado do livro autobiográfico ‘Elvis e eu’ e dirigido por Sofia Coppola (Encontros e desencontros, Um lugar qualquer, O estranho que nós amamos), Priscilla, em cartaz, começa como um estranho conto de fadas se tornando realidade, mas revela delicadamente a sua natureza opressiva. O curioso é que essa opressão já é registrada visualmente nos primeiros minutos simplesmente através da escalação: Jacob Elordi, que interpreta Elvis, é quase 15 cm mais alto do que o cantor era na vida real, enquanto Cailee Spaeny, que vive a protagonista, é quase 10 cm menor do que a Priscilla verdadeira. Se a relação de um homem de 24 anos com uma adolescente de 14 já é perturbadora de qualquer forma, torna-se ainda mais desconfortável com a discrepância de altura que o filme potencializa. Vista na tela, ela sempre parece aquilo que viria a se tornar: uma boneca refém da vida no castelo do rei.
Conhecida pelo minimalismo narrativo e pela suavidade visual, Coppola faz em Priscilla praticamente a antítese de Elvis, de 2022. Tudo o que o filme de Baz Lurhmann tinha de frenético, hiperativo e exuberante – mostrando o artista como um mito manipulado pelo seu empresário – este aqui tem sutil, introspectivo. Ela se volta à humanidade dos personagens e não à imagem idealizada deles. O Elvis de Elordi jamais é visto cantando/dançando, mal se escuta as suas músicas icônicas e, salvo por breves passagens com fãs enlouquecidas, ele raramente é visto sob grandes holofotes.
A atuação discreta de Spaeny, vencedora do prêmio de melhor atriz no Festival de Veneza, transmite muito bem a palpitação do começo, o desejo intenso de pertencer àquele mundo e, depois, a angústia de estar no que é um belo exemplo de gaiola de ouro. O trabalho de maquiagem e figurino, aliás, é central nesse processo de fazê-la convencer perfeitamente tanto como uma menina inocente quanto como uma mulher feita, com seu acúmulo de frustrações.
Nascida no meio cinematográfico e, portanto, totalmente familiarizada com celebridade e privilégios, a diretora já explorou outras vezes em sua filmografia o universo da riqueza com um olhar desencantado, entediado ou, no caso agora, contrastado entre o deslumbre e a sensação crescente de aprisionamento. Impedida de trabalhar pelo marido e alvo recorrente dos chiliques e caprichos dele, Priscilla, a personagem, é frequentemente enquadrada entre altas paredes ou isolada em cômodos espaçosos que a oprimem, enquanto a fotografia cheia de luzes e planos-detalhe estilizados evocam o luxo que maquia o relacionamento abusivo.
Embora faça uso de clichês textuais para ligar blocos narrativos – já que precisa resumir uma passagem relativamente longa de tempo em uma duração compacta –, Priscilla é um retrato sufocante de uma existência suprimida pela energia solar de outra. É, também, mais uma demonstração do talento e da sensibilidade de Sofia Coppola para, sem fazer esforço, exprimir uma série de informações emocionais a partir de histórias das quais, provavelmente, boa parte das pessoas não imaginava que pudessem render.