A cosmologia indígena "A queda do céu", que mostra ritual mais célebre dos povos Yanomami, entra na seleção da Quinzena dos Realizadores, mostra paralela do Festival de Cannes

André Guerra

Publicação: 19/04/2024 03:00

Com estreia mundial recentemente marcada para a Quinzaine des Cineàstes (Quinzena dos Realizadores) de 2024, mostra paralela ao Festival de Cannes que promove a descoberta de cineastas independentes e contemporâneos de destaque, o filme brasileiro A queda do céu mostra a festa Reahu, ritual funerário considerado a cerimônia mais importante dos Yanomami, que reúne centenas de parentes dos falecidos com o propósito de apagar todos os rastros do ente que se foi e, desse modo, colocá-lo em esquecimento. O documentário, que tem direção de Eryk Rocha (filho de Glauber Rocha) e de Gabriela Carneiro da Cunha, busca um diálogo com aclamado livro homônimo escrito por Davi Kopenawa, xamã Yanomami e liderança indígena mundial, e pelo antropólogo francês Bruce Albert.

Enquanto o livro apresenta três eixos fundamentais – convite, diagnóstico e alerta –, o filme parte dessa estrutura para apresentar o universo do povo Yanomami, o mundo dos espíritos Xapiri, a problemática do garimpo ilegal e suas implicações atuais, o trabalho dos xamãs para segurar o céu e curar o a terra das doenças criadas pelos não-indígenas, entre outros temas caros à obra. Acompanhando o importante ritual fúnebre que mobiliza a comunidade de Watorik, A queda do céu faz uma crítica contundente aos chamados por Davi de “povo da mercadoria”, assim como a mistura mortal de epidemias trazidas por pessoas de fora (males chamados por eles de epidemias “xawara”).

Ao Viver, Eryk e Gabriela falam sobre a importância de vozes indígenas contarem suas histórias e participarem do processo de criação audiovisual. “Somos não só grandes admiradores de realizadores indígenas como Morzaniel Iramari, Alberto Alvares Guarani, Takumã Kuikuro, Isael e Sueli Maxakali, como somos produtores de alguns filmes Yanomami de jovens realizadores que fazem parte da equipe do filme, e ao longo do processo realizamos oficinas de filmagem e montagem para que filmes dirigidos por eles fossem realizados. Três curtas metragens foram realizados - Thuë pihi kuuwi - Uma Mulher Pensando e Yuri u xëatima thë - A Pesca com Timbó, de Aida Harika Yanomami, Edmar Tokorino Yanomami e Roseane Yariana Yanomami, além de Mãri Hi - A árvore do sonho, de Morzaniel ramari”, comenta a dupla de diretores.

“A relação dos povos indígenas com o cinema nos mobiliza, principalmente pela potência da relação que alguns povos tem com a imagem. Em um momento do mundo em que a relação do povo não indígena com a imagem se tornou algo banal, o cinema tem muito a se fortalecer nessa relação com os povos indígenas. A cosmologia Yanomami, o mundo dos xapiri e o xamanismo são um grande e infinito cinema. O filme vem sendo sonhado e tecido junto com Davi Kopenawa, com a comunidade de Watoriki e com a Hutukara Associação Yanomami há sete anos.”