Cores que transcendem todos os sons
Em seus quadros, Kilma Coutinho, artista surda pernambucana, ensina a escutar com os olhos através de cores potentes e figuras expressivas
Allan Lopes
Publicação: 28/05/2025 03:00
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Folhas e mãos que emergem dos ouvidos são traços recorrentes no trabalho de Kilma |
Artista surda, Kilma Coutinho mostra que um simples papel ou uma tela podem reverberar mais que mil decibéis. Em cada pincelada, a pernambucana apresenta sua arte, em que supostas limitações se transmutam em linguagem visual. Não se trata apenas de traduzir seu universo para ouvintes, mas também de construir diálogos a partir de cores vibrantes e formas geométricas, herdadas do cubismo e da Semana de Arte Moderna de 1922. Seu trabalho está na exposição Lá Vêm Elas, que fica em cartaz até domingo, no Museu do Homem do Nordeste, trazendo o protagonismo de artistas com deficiência.
Antes mesmo de aprender a ler e escrever, Kilma já decifrava o mundo através dos seus traços particulares. "Comecei a desenhar para expressar meus sentimentos e percepções sobre a minha vida e as pessoas ao meu redor", justifica, em conversa com o Viver. Acompanhando o avô ao trabalho, ela transformava o escritório dele em um ateliê. Nas pilhas de papéis excedentes, que outros considerariam descartáveis, a pequena Kilma dava vida às suas primeiras criações, guiada por uma sensibilidade que nunca reconheceu barreiras.
Anos depois, o encontro com Marcelo Batista, artista plástico também surdo, revelaria a Kilma os segredos das tintas e pincéis. Sob sua orientação, ela não apenas dominou técnicas, mas descobriu na pintura uma extensão de sua voz. "Assim como existem outras formas de expressão específicas, nossa arte também é legítima", destaca.
Embora prefira a combinação de tinta acrílica, giz pastel oleoso e papel texturizado, seus materiais são sempre escolhidos de acordo com o que deseja expressar em cada obra. "Tudo depende da emoção que estou sentindo", aponta. Mas há elementos que são marcas registradas em seus quadros, a exemplo das folhas e mãos que emergem de ouvidos. "Elas avisam que não preciso ouvir para me comunicar. Assumo minha surdez com orgulho. Minhas mãos falam e são a minha voz", manifesta-se.
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Para Kilma Coutinho, a arte é uma ferramenta política e social em que os mundos surdo e ouvinte podem se reconhecer e dialogar em igualdade. Assim, sua obra se comunica de forma visual, sensorial e, principalmente, cheia de afeto.