Trilha sonora de um Brasil
Chico César retorna ao Teatro do Parque para celebrar três décadas do lançamento de "Aos Vivos", o disco que marcou seu nome na história da música nacional
Allan Lopes
Publicação: 10/05/2025 03:00
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No começo dos anos 1990, Chico César estava cheio de músicas para gravar. O paraibano, então radicado em São Paulo há quase uma década, queria misturar suas raízes de Catolé do Rocha com a vibe pop da capital paulista. Mas o dinheiro era curto e o apoio das grandes gravadoras, inexistente. Sem deixar a falta de recursos impedi-lo, transformou o palco em “estúdio” para lançar Aos Vivos, seu disco de estreia. Hoje, ele celebra o aniversário de 30 anos do álbum, em show especial no Teatro do Parque, às 17h30 e 20h.
Foi através do músico e produtor Egídio Conde que o projeto ganhou forma. Ex-guitarrista de bandas progressivas como Moto Perpétuo e Som Nosso de Cada Dia, Egídio convenceu Chico a registrar suas apresentações ao vivo na Funarte. Assim, em três noites de junho de 1994, nascia Aos Vivos. “Pouca gente imaginava o que poderia acontecer. Mas quando o lancei, um ano depois, ele entrou no coração das pessoas. Foi a melhor forma de me apresentar”, assegura o cantor em conversa exclusiva com o Viver.
Logo na abertura, Chico César apresenta seu cartão de visitas mais impactante: Beradêro, uma faixa à capela que anunciava que aquele não seria um disco comum. O álbum então se desdobra em pérolas marcantes na sua carreira: Mama África, À Primeira Vista, Mulher Eu Sei, Templo, Dança e A Prosa Impúrpura do Caicó, que, trinta anos depois, continuam a conquistar novas gerações. “Esse repertório mostrou muito bem quem eu era como músico”, afirma.
E o mundo pareceu concordar. A rainha Daniela Mercury manifestou interesse em regravar À Primeira Vista, que estourou em sua voz na novela O Rei do Gado, assim como Zizi Possi, Elba Ramalho, Vânia Abreu e Maria Bethânia, entre muitas outras que se encantaram com suas letras. Em pouco tempo, o artista que antes se apresentava para pequenas plateias em bares de São Paulo já cruzava o Atlântico para shows em Barcelona e Madri. “Foi um salto digno daqueles gols que mudam o rumo do jogo no futebol”, compara.
Parte de um movimento maior, Chico não foi um fenômeno isolado. Um ano antes, Lenine estourava nas paradas com Olho de Peixe, seu segundo álbum, lançado em parceria com Marcos Suzano. Juntos, representavam uma nova safra de artistas que renovaram a música brasileira a partir de um mesmo eixo: o violão enraizado na tradição, mas com as antenas no futuro. “Acho que muita gente que surgiu depois olhou pra esses trabalhos e pensou: ‘esses caras abriram uma trilha”, reflete.
Nos trabalhos seguintes, ele conscientemente desfez a receita que deu certo. “Era hora de amadurecer e experimentar outras coisas”, destaca Chico, que deixou o instrumento em segundo plano até sentir que era hora de retomá-lo em De Uns Tempos pra Cá (2006). “‘O violão brasileiro nunca sai de moda. Pode vir música eletrônica, timbres novos, todas as experimentações, mas quando o violão chega com sua verdade, com aquela fisgada na alma, sempre encontra o seu lugar”, crava.
O palco que o receberá neste sábado testemunhou seu batismo artístico em 1995, quando Chico veio ao Recife pela primeira vez. “Aquela noite no Teatro do Parque foi uma experiência imortal. Me senti como se eu tivesse entrado, de fato, no panteão dos artistas nordestinos que eu tanto gosto e que, na época, já admirava profundamente”, recorda, citando Geraldo Azevedo, Geraldo Vandré, Raimundo Sodré e Caetano Veloso. Agora, retorna ao Parque não mais como iniciante, mas como parte dessa linhagem.