A triste realidade dos abusos dentro de casa
Com o contundente "Manas", em cartaz no Recife, a diretora Marianna Brennand estreia na ficção, depois de firmar seu nome como documentarista
ANDRÉ GUERRA
Publicação: 03/06/2025 03:00
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Rômulo Braga é Marcílio, que violenta a própria filha, Marcielle, vivida por Jamilli Correa |
É no equilíbrio entre a delicadeza e uma temática brutal que reside a força de um dos mais prestigiados lançamentos brasileiros deste ano. Longa de ficção de estreia de Marianna Brennand, sobrinha-neta do saudoso artista plástico pernambucano Francisco Brennand, Manas venceu o prêmio da Jornada dos Autores (Giornate degli Autori) no Festival de Veneza, ano passado.
O filme surgiu de relatos que a cineasta ouviu sobre histórias de abuso nas balsas da Ilha do Marajó, no Pará, e seria, originalmente, um documentário. Na trama, a jovem Marcielle (Jamilli Correa), de apenas 13 anos, vive com seu pai, Marcílio (Rômulo Braga, que também vive o pai opressor de Ney Matogrosso em Homem com H), sua mãe, Danielle (Fátima Macedo), e seus três irmãos mais novos.
Marcílio insiste que Marcielle durma com ele, a leva para caçar e a proíbe de vender açaí nas balsas, iniciando um ciclo de violência sexual que, apesar de nunca explicitado pela câmera, torna-se gradualmente mais desesperador conforme a solidão e o isolamento limitam os horizontes. O ponto de esperança é a entrada em cena da policial Aretha (Dira Paes), que percebe algo muito errado naquela jovem.
Em entrevista exclusiva ao Viver, Marianna, responsável pelos documentários O Coco, a Roda, o Pneu e o Farol e Francisco Brennand, ressalta a importância de não reproduzir o olhar masculino objetificante ao tratar da questão da violência sexual. “Como mulher, eu não queria perpetuar essa visão, que tantas vezes sexualiza nossos corpos. Retratar o abuso graficamente, para mim, é quase assinar embaixo”, explica. “Os olhares já dizem tudo. Você sente sem precisar ver nada”.
A diretora fala ainda sobre como a linguagem utilizada pela produção contribui para o envolvimento dramático do espectador. “O som, a fotografia e as escolhas de enquadramento fechado na personagem são muito importantes na construção de uma ambiência ao mesmo tempo bela e sufocante”, destaca. Ao soar esse alerta de socorro sobre meninas indefesas de uma região frequentemente invisibilizada, Manas se revela mais uma experiência emocionalmente potente do cinema nacional em sua melhor forma.