Fé, razão e humanidade em cena De volta ao Recife em sua terceira temporada, "A Última Sessão de Freud" ocupa o Teatro do Parque, de sexta a domingo, com um embate entre ciência e espiritualidade

Pedro Cunha
Especial para o Diario

Publicação: 31/07/2025 03:00

 (JOÃO CALDAS/DIVULGAÇÃO)

O palco do Teatro do Parque será cenário de um encontro fictício entre dois dos maiores pensadores do século 20: Sigmund Freud, pai da psicanálise, e C.S. Lewis, escritor e defensor da fé cristã. Escrita por Mark St. Germain e dirigida por Elias Andreato, a peça A Última Sessão de Freud, encenada de sexta a domingo, coloca frente a frente ciência e espiritualidade, em uma conversa marcada por tensão, humanidade e reflexões existenciais.

O ator Odilon Wagner assume o papel de Freud, interpretando o psicanalista aos 83 anos, nos últimos dias de vida, exilado na Inglaterra após fugir do avanço nazista na Áustria. É nesse contexto que convida C.S. Lewis, vivido por Marcello Airoldi, para um encontro em 1939, ano em que o jovem professor de Oxford já havia publicado nove livros e começava a despontar como uma das vozes mais influentes do pensamento cristão moderno.

“Freud é um dos seres mais caricaturados do mundo. O grande desafio foi fugir da imitação e trazer o lado humano desse gênio. É raro na vida de um ator encontrar um personagem tão potente”, expressa Odilon, indicado aos prêmios Shell, APCA e Bibi Ferreira por este trabalho. “Além disso, representar um ícone da psicologia é uma grande responsabilidade, já que sua obra ainda é referência no campo da saúde mental.”

Baseada no livro Deus em Questão, do psiquiatra Armand Nicholi Jr., que conviveu com Anna Freud, filha de Sigmund, e com o médico que acompanhou o psicanalista até seus últimos dias, a peça dramatiza um dos dilemas centrais da vida de Freud: a existência de Deus e o papel da religião na psique humana. A escolha por colocá-lo em confronto com Lewis, conhecido por sua fé convicta, dá forma ao embate entre dois paradigmas que ainda hoje provocam debates.

As semelhanças entre arte e psicanálise, revela Odilon, tornam a experiência ainda mais rica. “Acredito que teatro e psicanálise são quase a mesma coisa. Numa, o processo é individual; noutra, é coletivo. Mas ambas buscam refletir e investigar a alma humana. Não é à toa que o psicodrama, um importante ramo da psicoterapia, tem base na experiência teatral.”

O pano de fundo da peça — a iminência da Segunda Guerra Mundial — amplifica a discussão entre fé e razão. “Quando estreamos, a guerra na Ucrânia havia acabado de começar. Depois veio Gaza. E temos as guerras internas que vivemos. A peça faz o público refletir sobre poder, racismo e dominação. Freud questionava a religião e, especialmente, a Igreja Católica, pelo seu histórico de opressão e pela proximidade do Papa Pio XII com o regime nazista. Mas, ao mesmo tempo, passou a vida debatendo por que o ser humano precisa acreditar em Deus. Era um tema mal resolvido”, pontua o ator.

Para ele, o grande vencedor da peça não é uma das ideias, mas o próprio diálogo. “Freud e Lewis pensavam de forma completamente diferente, mas nunca perdem o respeito mútuo. Não é um confronto pessoal, mas de ideias. Se acolhem quando suas fragilidades se expõem”.

Essa humanidade é, segundo Odilon, o que mais emociona. “Freud era firme, mas a fragilidade física e a emoção que sentia ao ouvir uma música o tornavam mais humano. Lewis também traz suas marcas da Primeira Guerra. No fundo, ambos estavam em busca de respostas”.

A peça, que já passou por mais de 340 apresentações e foi vista por 140 mil espectadores, retorna ao Recife em sua terceira temporada. “O público se identifica profundamente com os temas. A peça não é um tratado acadêmico. Ela é acessível, sensível e provoca reflexão. Afinal, todos nós, em algum momento da vida, travamos nossa própria última sessão de Freud”, expressa Odilon.

Mais do que um embate de ideias, o ator acredita que A Última Sessão de Freud aposta na escuta mútua. “No fim, o que vence é o próprio diálogo”, conclui Odilon, evidenciando que a disposição para ouvir pode ser mais eficaz na construção de pontes do que a imposição de certezas.