100 ANOS RáDIO CLUBE » História contada por quem a viu Jorge José, escritor e ator de rádio e tv, é um dos memorialistas da Rádio Clube de Pernambuco, a primeira emissora de rádio do Brasil

Silvia Bessa
silvia.bessa@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 16/04/2018 09:00

Jorge José era garoto de calças curtas quando começou a atuar em rádios. Tinha por volta dos 11 anos e falar ao microfone era um problema para ele. A haste do equipamento esbarrava em um limite, de modo que não descia ao ponto de chegar até a altura da boca do menino. Arrumaram um banquinho para Jorge José se iniciar e mostrar o talento que o pai dele enxergava desde que o filho começou a ler com voz de locutor a escalação do time de futebol publicada em jornais. Naquela época teve alguém que disse: “Mande ele falar comigo”. Foi Ziul Matos, apresentador de rádio já famoso. Jorge José Santana começou como contrarregra no início da década de 1950.

Era o menino dos ruídos, aquele que incorpora fantasias às narrativas das radionovelas. Se na história tinha um cavalo correndo, cabia a ele a cavalgada feita com uma batida repetida das mãos - em um movimento que lembra até hoje. Se alguém caminhasse pela cozinha ao longo de um drama, ele imitava os passos va-ga-ro-sa-men-te. Se um trovão deveria envolver e causar suspense no ouvinte, sacolejava uma bolinha de aço dentro de um balão. “Aprendi esta arte com Evandro Vasconcelos, contrarregra da época. Minha vida foi toda dedicada à rádio e televisão”, contou em entrevista ao Diario de Pernambuco.

Um dia o mestre Câmara Cascudo o convidou para inovar. “Você assiste aos trailers dos filmes e adapta para o rádio”, sugeriu. Jorge José aceitou. Fazia adaptações para novelas semanais, transmitidas em cinco capítulos. Escreveu depois as suas próprias, tanto que no início dos anos 1960, quando a televisão começou a ganhar espaço, houve um concurso para escolher os atores da TV e Jorge José resolveu se reinventar. Passou em um teste e ficou entre os três primeiros colocados. É dele a autoria e a direção da primeira telenovela da TV Rádio Clube, aquela que foi exibida em 20 capítulos e recebeu o fantástico título de “O ruído do silêncio”. A TV Rádio Clube foi uma expansão da Rádio de mesmo nome.

De contrarregra a produtor e radioator e ator de telenovelas. De criança a adulto. Chegou em 1953 em uma rádio e até hoje é tomado pela paixão ao universo radiofônico e à Rádio Clube, a PRA-8, a pioneira. A primeira rádio do Brasil, criada em 6 de abril de 1919 por iniciativa de um grupo de amigos amadores da telegrafia que sonhavam em levar o “pensamento humano” por redes sem fio. Jorge José se tornou uma referência na história da Rádio Clube e na história da rádio do Brasil. Autor do livro O Rádio pernambucano por quem o viu crescer (edição do autor, 2009), é estudioso e uma referência local sobretudo quando se trata do período de 1950 para cá. Resolveu compilar suas experiências em um trabalho de pesquisa de 445 páginas após encerrar seu período de 19 anos como funcionário da Fundação Joaquim Nabuco. Lá era usado como fonte primária para muitos estudantes. A obra de Jorge José é clássica para quem quer entender a Rádio Clube às vésperas de ela completar 100 anos de fundação. “Jorge José fez opção pela genética, reconstituída a partir da textura prosaica do cotidiano, centrada no indivíduo e em suas múltiplas relações”, diz Gustavo Krause, ex-prefeito do Recife e ex-governador, prefaciador da obra. “Ele apoiou-se na tradição da oralidade, socorreu-se em farta pesquisa documental e, com isso, conseguiu retratar várias dimensões e cores da vida, paisagens e ambiência entrecortada pela paixão humana”, disse Krause.

Muito documento foi destruído por gestores e por um incêndio que queimou boa parte de um valioso arquivo para a história do rádio. Eram registros importantes. A história da rádio em Pernambuco e no Brasil é contada hoje por pessoas a exemplo de Jorge José - apresentadores, técnicos e artistas - que guardaram fotos e lembram dos acontecimentos e seus detalhes. São eles os memorialistas da história da comunicação.