A discórdia na cidade de Lutero
Na comemoração dos 500 anos da reforma protestante, uma imagem reforça o lado obscuro do monge alemão
Yannick PASQUET
DA AGÊNCIA FRANCE-PRESSE
Publicação: 04/11/2017 09:00
Berlim - Uma escultura antissemita da igreja de Wittenberg, onde Lutero fez suas pregações, cria controvérsia na comunidade protestante na Alemanha, que celebrou na terça-feira o 500º aniversário da Reforma Protestante. A chamada Judensau (“porca dos judeus”) adorna desde a Idade Média, a oito metros de altura, a ala sul da Igreja de Santa Maria de Wittenberg. Judeus e leitões mamam o leite de uma porca enquanto um rabino levanta a pata e a cauda do animal para examinar seu ânus.
Esta estátua, grotescamente metafórica e que pretendia provocar aversão aos judeus, perturba Wittenberg. Foi nesta cidade a menos de 100 quilômetros de Berlim que o monge Martinho Lutero pregou suas 95 teses contra as indulgências da Igreja Católica em 31 de outubro de 1517, marcando o nascimento da reforma protestante.
Ele repetiu o gesto em outra igreja da cidade, a Schlosskirche, onde aconteceram as cerimônias do 500º aniversário na presença da primeira-ministra Angela Merkel. Mas foi na Igreja de Santa Maria que o teólogo alemão (1483-1546) pregou pela primeira vez em alemão. O edifício é classificado como Patrimônio Mundial da Humanidade.
O constrangimento é ainda maior, já que o antissemitismo de Martinho Lutero foi abundantemente documentado por historiadores. Ele exortou, na época, queimar sinagogas e redigiu a difamação Judeus e suas mentiras. Descrevendo a escultura que adornava a igreja, o teólogo julgou que no ânus da porca estava certamente o Deus dos judeus.
Dezenas de edifícios religiosos, principalmente na Alemanha, apresentam uma “porca dos judeus” em baixo-relevo ou em gárgulas como na catedral de Colônia ou na igreja colegiada de São Martinho de Colmar, na França.
FACE SOMBRIA
Por ocasião do 500º aniversário, Angela Merkel, ela mesma filha de um pastor, lembrou o lado sombrio de Lutero. É necessário, ela insistiu, ter um olhar “muito crítico” sobre o antissemitismo do pai do protestantismo. Há meses, petições circularam para remover a escultura caluniosa ou para que ela seja acompanhada de um monumento explicativo colocando-a em seu contexto histórico.
Desde a era comunista na Alemanha Oriental, já existe uma placa no pé do prédio, mas os críticos consideram insuficiente. “Não seria justo historicamente remover o baixo-relevo”, diz Micha Brumlik, professor de educação, que liderou um movimento contra a “porca dos judeus”. “Mas, por respeito ao que aconteceu com os judeus mais tarde, devemos ampliar o monumento existente e tornar as explicações mais claras”, defende.
Na praça central de Wittenberg, Brumlick veio a público ler os escritos antissemitas de Lutero. “É uma estátua horrível, obscena e antissemita”, lamenta o teólogo britânico Richard Harvey, que se define como judeu messiânico, em um vídeo postado no YouTube.Ele afirma ter reunido cerca de 8 mil assinaturas para retirar a obra.
Na cidade, várias manifestações foram realizadas na praça do mercado. Nos cartazes dos participantes: “Depois de Auschwitz, devemos manter a ‘porca dos judeus’?”. À frente do movimento, um pastor de Leipzig, Thomas Piehler, que deseja que a escultura seja levada para um museu. “Poderemos refletir cientificamente sobre o antissemitismo de Lutero”, explicou na rádio pública. Mas a prefeitura acredita que a placa instalada em 1988 é suficiente.
Em junho, o conselho da cidade aprovou uma resolução pedindo a manutenção do baixo-relevo como testemunha de tempos difíceis. O partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AFD) também quer manter o status quo. Para ele, aqueles “que hoje têm um problema com os judeus são, de fato pessoas, de origem árabe-muçulmana”.
A Reforma Protestante em cinco pontos
Nascido há 500 anos quando Martinho Lutero questionou a autoridade do Papa, o luteranismo agrupa inúmeras Igrejas - luteranas, reformadas, evangélicas etc. - e conta com mais de 800 milhões de fiéis em todo o mundo.
Esta estátua, grotescamente metafórica e que pretendia provocar aversão aos judeus, perturba Wittenberg. Foi nesta cidade a menos de 100 quilômetros de Berlim que o monge Martinho Lutero pregou suas 95 teses contra as indulgências da Igreja Católica em 31 de outubro de 1517, marcando o nascimento da reforma protestante.
Ele repetiu o gesto em outra igreja da cidade, a Schlosskirche, onde aconteceram as cerimônias do 500º aniversário na presença da primeira-ministra Angela Merkel. Mas foi na Igreja de Santa Maria que o teólogo alemão (1483-1546) pregou pela primeira vez em alemão. O edifício é classificado como Patrimônio Mundial da Humanidade.
O constrangimento é ainda maior, já que o antissemitismo de Martinho Lutero foi abundantemente documentado por historiadores. Ele exortou, na época, queimar sinagogas e redigiu a difamação Judeus e suas mentiras. Descrevendo a escultura que adornava a igreja, o teólogo julgou que no ânus da porca estava certamente o Deus dos judeus.
Dezenas de edifícios religiosos, principalmente na Alemanha, apresentam uma “porca dos judeus” em baixo-relevo ou em gárgulas como na catedral de Colônia ou na igreja colegiada de São Martinho de Colmar, na França.
FACE SOMBRIA
Por ocasião do 500º aniversário, Angela Merkel, ela mesma filha de um pastor, lembrou o lado sombrio de Lutero. É necessário, ela insistiu, ter um olhar “muito crítico” sobre o antissemitismo do pai do protestantismo. Há meses, petições circularam para remover a escultura caluniosa ou para que ela seja acompanhada de um monumento explicativo colocando-a em seu contexto histórico.
Desde a era comunista na Alemanha Oriental, já existe uma placa no pé do prédio, mas os críticos consideram insuficiente. “Não seria justo historicamente remover o baixo-relevo”, diz Micha Brumlik, professor de educação, que liderou um movimento contra a “porca dos judeus”. “Mas, por respeito ao que aconteceu com os judeus mais tarde, devemos ampliar o monumento existente e tornar as explicações mais claras”, defende.
Na praça central de Wittenberg, Brumlick veio a público ler os escritos antissemitas de Lutero. “É uma estátua horrível, obscena e antissemita”, lamenta o teólogo britânico Richard Harvey, que se define como judeu messiânico, em um vídeo postado no YouTube.Ele afirma ter reunido cerca de 8 mil assinaturas para retirar a obra.
Na cidade, várias manifestações foram realizadas na praça do mercado. Nos cartazes dos participantes: “Depois de Auschwitz, devemos manter a ‘porca dos judeus’?”. À frente do movimento, um pastor de Leipzig, Thomas Piehler, que deseja que a escultura seja levada para um museu. “Poderemos refletir cientificamente sobre o antissemitismo de Lutero”, explicou na rádio pública. Mas a prefeitura acredita que a placa instalada em 1988 é suficiente.
Em junho, o conselho da cidade aprovou uma resolução pedindo a manutenção do baixo-relevo como testemunha de tempos difíceis. O partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AFD) também quer manter o status quo. Para ele, aqueles “que hoje têm um problema com os judeus são, de fato pessoas, de origem árabe-muçulmana”.
A Reforma Protestante em cinco pontos
Nascido há 500 anos quando Martinho Lutero questionou a autoridade do Papa, o luteranismo agrupa inúmeras Igrejas - luteranas, reformadas, evangélicas etc. - e conta com mais de 800 milhões de fiéis em todo o mundo.
- 31 de outubro de 1517
Foi o ponto de partida do Movimento da Reforma. Naquele dia, o teólogo alemão Martinho Lutero difundiu suas “95 teses”, frases curtas com as quais criticava principalmente o comércio das indulgências - um sistema de perdão dos pecados praticado pela Igreja Católica em troca de pagamento para financiar a construção da Basílica de São Pedro em Roma. Também questionava a autoridade do papa Leão X, que acabou excomungando o teólogo alemão em 3 de janeiro de 1521. A mensagem de Lutero foi difundida rapidamente, graças ao advento da imprensa. A reforma provocou inúmeros levantes na Europa, causou guerras, perseguições e o êxodo de milhares de protestantes no mundo. - Três principais doutrinas
São três as principais doutrinas da Igreja reformada: as igrejas luteranas herdadas do pensamento de Lutero, as igrejas calvinistas (reformadas, ou presbiterianas) e a Igreja Anglicana. O calvinismo é a corrente inspirada pelo teólogo e reformista francês João Calvino, que defendeu, a partir de 1536, um novo modo de funcionamento para a Igreja. O anglicanismo nasceu, por sua vez, de uma disputa política entre o rei Henrique VIII da Inglaterra e o papa Clemente VII, que se negou, em 1530, a anular seu casamento com Catarina de Aragão. Estruturada como a Igreja Católica, a Igreja Anglicana costuma se considerar uma religião no meio do caminho entre o catolicismo e o calvinismo. - Múltiplas orientações
As orientações do protestantismo são múltiplas: anabaptistas, congregacionais puritanos, metodistas, batistas, evangélicos e pentecostais. O Museu Virtual do Protestantismo [www.museeprotestant.org] distingue cinco famílias principais: as Igreja luteranas, reformadas, evangélicas, anglicanas e pentecostais. A elas, pode-se acrescentar as correntes mais marginais, como os adventistas do sétimo dia, os quakers, os unitários, ou os menonitas, entre eles os amish que, nos Estados Unidos, rejeitam qualquer tipo de tecnologia moderna. - Mais de 800 milhões de fiéis
Devido à quantidade de Igrejas existentes, fica complicado avaliar o número de protestantes no mundo. Em um relatório de 2011, o centro de pesquisa independente sobre religiões Pew Research Center avalia, levando em conta a definição mais ampla de protestantismo, que cerca de 800 milhões de pessoas professam essa corrente religiosa. Representam mais de um terço do conjunto dos cristãos, enquanto os católicos implicam metade, e os ortodoxos, 12%. De acordo com um balanço do Museu Virtual do Protestantismo, há no mundo 500 milhões de evangélicos, 200 milhões de pentecostais, 70 milhões de anglicanos, 65 milhões de luteranos e 50 milhões de reformados. - Três grandes princípios
As igrejas protestantes concordam com três grandes princípios fundamentais: a preponderância da Bíblia (Sola scriptura); a importância da fé (Sola fide), que é uma questão pessoal; e a noção da Graça (Sola gratia), que permite salvar o homem sem as noções de mérito e redenção próprias do catolicismo. Ao contrário das regras do catolicismo, os pastores não têm de respeitar o celibato, e o sacerdócio está aberto às mulheres.