TEMPO DE SOLIDARIEDADE » História de amor entre igrejas irmãs Madre de Deus estende a mão ao templo de Nossa Senhora do Pilar, também situado no Bairro do Recife, em obra social que muda a vida da comunidade

JAILSON DA PAZ
jailson.paz@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 02/12/2017 09:00

Ao abrir as portas da Igreja de Nossa Senhora do Pilar, no Bairro do Recife, Aluísio Alves se depara com a própria realidade. A rua em frente, a de São Jorge, se estreitou com os barracos erguidos por gente sem teto. Aluísio, 37 anos, inclusive. O esgoto corre a céu aberto. Águas embranquecidas pelo sabão da lavagem das louças e das roupas. E o percurso dessas águas deixa uma trilha de lodo, sinal do esquecimento pelo poder público. De porta adentro, uma igreja de bancos e cadeiras sem luxo, um altar em forma de bolo de noiva, a imagem da santa padroeira, marcada pela fuligem e em tamanho natural.

Perto da santa, velas decoradas e caixas de matérias-primas para confecção de bijuterias, materiais dos cursos promovidos pela igreja co-irmã do Pilar, a Igreja da Madre de Deus, cujo pároco Rinaldo Pereira vem desenvolvendo um trabalho de apoio à comunidade. A iniciativa inclui uma ceia especial programada para o dia 25 de dezembro.

As caixas e as velas decoradas ficam sob os cuidados de Aluísio, zelador da Igreja do Pilar. São tesouros, para a geração de renda, de uma comunidade em que o nível de desemprego é alto. “Com os cursos se aprende e se ganha alguma coisa”, diz. Além das aulas sobre velas e bijouterias, ensina-se ali a fazer terços. Tudo dado por voluntários. Peças movidas à fé, pensa Jaidete Bispo, 58 anos, participante dos cursos e testemunha de várias fases do templo. “Nessa igreja teve muita coisa, boa e ruim”, resumiu. Boas foram as orações, as missas e o restauro concluído há quatro anos. Ruins, o arrombamento nos anos 1990, quando desconhecidos reviraram os túmulos à procura de objetos de valor, e os anos em que, pelo estado de deterioração, a igreja ficou com suas portas trancadas.

Atenta ao passado, Jaidete se convenceu de que “as coisas, como na vida, passam”. A fase difícil da Igreja do Pilar, sob a ótica da preservação, ficou para trás. Para Jaidete e parte dos moradores da comunidade, não. Continua a espera pela casa própria, prometida na década passada pelo município. Enquanto o teto é miragem, ela se protege do Sol e da chuva no arremedo de casa erguido a poucos metros da Igreja do Pilar. E tem por meta “nunca desistir”. Nem do sonho da casa própria, de papel passado em cartório. Nem do sonho de um ter uma profissão. Mas, por enquanto, toca a vida com “bicos”. Aos domingos, engorda a lista de flanelinhas do Bairro do Recife. Seu ponto de trabalho está relacionado à própria fé. Fica perto da Igreja da Madre de Deus.

Os sonhos dos moradores do Pilar estão ligados à rotina da comunidade. Dayson Felipe Silva, 17, quer um lugar para jogar futebol. Poderia ser algo simples, mas funcional. E quer uma praça. Praça com lugar “decente” para sentar, pois as calçadas do conjunto residencial e pedras cumprem hoje essa função. Como não existe praça, Napoleão Barbosa Filho, 56, se contentaria com alguns bancos de cimento, para dispor nas calçadas da Rua Primavera. “Eu mesmo pregaria, com cimento, os bancos no chão”, disse.

São coisas palpáveis. Algumas já ao alcance dos olhos, como o apartamento a que Aluísio se inscreveu. Morando em local planejado, o zelador escaparia do esgoto a céu aberto da Rua de São Jorge, onde fica o seu barraco de madeira. Diminuiria o risco da filha Letícia, 3 anos, contrair chikungunya novamente. Ele e a mulher, Rita de Cássia, também tiveram a doença. Estaria longe do terreno, planejado para receber conjuntos habitacionais populares, que se tornou pocilga, berçário de timbus e despejo de esgoto e de lixo doméstico. No terreno, um esqueleto de concreto implantado como base para um bloco de apartamentos, permanece de pé. Por quanto tempo resistirá às intempéries e à influência da maresia? Ninguém sabe.

Portas abertas
Com a bonança por vir, persistem as carências no Pilar. O alívio vem com os cantos religiosos, entoados nas alturas, com igrejas que abrem as portas para homens e mulheres, vizinhos de parede única, terem instantes de louvor. E de silêncio. É especialmente para isso que, das terças aos domingos, Aluísio abre as portas da Igreja de Nossa Senhora do Pilar.

Dois lados de uma mesma paróquia

A relação da Igreja da Madre de Deus, no Bairro do Recife, com o Pilar é estreita. Facilita a proximidade o fato de pertencerem à mesma paróquia, a de São Frei Pedro Gonçalves. “À comunidade do Pilar temos atenção especial, por seu histórico social e pelo valor da própria igreja”, afirmou padre Rinaldo Pereira, à frente da Madre de Deus. O Pilar figura entre os lugares de pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Recife.

Na Madre de Deus, estão sendo arrecadados cestas básicas, material de higiene pessoal e brinquedos para a campanha Natal da Misericórdia, que pretende atender trezentas das cerca de seiscentas famílias residentes no Pilar. A campanha também planeja um jantar para duzentas pessoas. A ceia destinada aos moradores da comunidade será na noite do dia 25 deste mês, ao lado da Madre de Deus.

Além da afinidade por pertencerem à mesma paróquia, a Igreja da Madre de Deus tem em comum com a Igreja de Nossa Senhora do Pilar o período de fundação. As origens de ambas datam do Brasil colonial. No topo da fachada do Pilar, números em alvenaria descrevem 1899, referente à reforma do templo. A data da construção, conforme placa em frente à igreja, é de 1680, o mesmo ano da autorização para se construir a Madre de Deus, concluída na primeira década do século 18.

Mais antiga, a Igreja do Pilar passou por restauro neste século. Os serviços começaram, sob o crivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 2009, sendo concluídos em 2013. Já a Madre de Deus sofreu avarias no telhado e as obras ocorrem aos poucos, graças a doações dos fiéis, jantares beneficentes e leilões. A continuidade depende agora de uma exposição programada para a próxima terça-feira, no corredor lateral do templo.

A exposição reunirá pinturas, esculturas e serigrafias. “Todas as peças foram doadas gentilmente à igreja”, disse padre Rinaldo. Entre os autores, Zé Cláudio, Francisco Brennand, Roberto Cavalcanti, Eudes Mota, Vicente do Rego Barros e Geórgia Barbosa. De Zé Cláudio, exemplifica o sacerdote, estará à venda uma serigrafia e de Vicente do Rego Barros, uma pintura abstrata. A princípio, o conserto do telhado seria de R$ 73 mil, mas, à medida que as obras foram sendo realizadas, o valor ultrapassou R$ 100 mil.