A viagem de volta à raízes do judaísmo Congresso Internacional de Antropologia da Religião debate vida e influência de judeus-velhos e judeus-novos

Publicação: 17/02/2018 03:00

O interesse pelo judaísmo demonstrado por muitos brasileiros já se tornou um fenônemo sociológico que está sendo estudado. Em Pernambuco, o assunto é tema do 2º Congresso Internacional de Antropologia da Religião: Judeus-velhos e judeus-novos no Nordeste, que começou na quinta-feira e segue neste sábado e domingo na Sinagoga Israelita, na Rua Martins Junior, Boa Vista, além do Centro do Recife, e do Cemitério Judaico, localizado no Barro.

“Estamos estudando o impacto de novos judeus, vindos de famílias do Nordeste, que são descendentes de cristãos-novos, e que começaram a voltar ao judaísmo a partir da década de 1970. E esse movimento só cresce em todos os estados do Nordeste”, explica o antropólogo Caesar Sobreira, organizador do congresso. Em grande parte dos nordestinos corre sangue judaico devido à vinda de cristãos-novos convertidos obrigatoriamente ao catolicismo em Portugal já a partir do século 15.

A capilaridade geográfica sempre foi característica da comunidade judaica. Registros da Prefeitura de Nova York, nos Estados Unidos, indicam que, em setembro de 1654, 23 judeus saídos de Pernambuco desembarcaram no lugar, que era um espaço urbano ainda em formação conhecido na época como Nova Amsterdã. Neste carnaval, a escola de samba Portela, do Rio, contou a história de judeus que fugiram de perseguição por não poderem praticar a sua religião, saindo de Portugal e se instalando no Recife, na época do domínio holandês. Atualmente, a migração continua. Estimativas dão conta que em 2017 pelo menos mil judeus brasileiros mudaram-se para Israel, estimulados pela busca de novas oportunidades em meio à crise na terra natal, e a vontade de conhecer e viver suas raízes.

A relevância do tema é tal que este movimento já foi colocado em discussão no Parlamento de Israel. “É um fenônemo que suscita questões de grande complexidade, inclusive na área da política. Por isso está sendo discutido o que fazer com o pessoal que é católico e deseja se converter ao judaísmo, como absorver essa demada, como tratar essas pessoas e se elas devem ou não serem aceitas pela comunidade judaica e como se deve reconhecer um novo-judeu”, afirma Sobreira. De acordo com as leis israelitas, uma pessoa só pode ser considerada judia se nascer do ventre de mulher judia.

Sobreira explica que a influência contemporânea da cultura judaica na população nordestina tem como marco um episódio ocorrido em 1972 em Caicó, Rio Grande do Norte. O pároco local percebeu que muitos hábitos dos moradores da região eram derivados do judaísmo, como não apontar para as estrelas e não varrer a casa de dentro para fora para não atrair má sorte.

Os antropólogos Gilberto Freyre e Luís da Câmara Cascudo chegaram a identificar e registrar alguns desses hábitos. “O pároco levou as observações à Federação Israelita de São Paulo. Após pesquisas, foi observado a presença de uma população cristã mas com descendência judaica. A partir daí, muitas famílias começaram um processo de conversão religiosa”, diz Caesar.

O seminário teve início na quinta-feira no Centro de Ensino Obra Escola (Cegoe) da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). A conferência de abertura foi realizada pelo rabino Jacques Cukierkorn, da Brit Braja Worldwide Jewish Outreach, nos Estados Unidos, com o tema Retornando: uma comunidade criptojudaica no Rio Grande do Norte, fazendo uma linha do tempo sobre o início desse fenômeno no Nordeste brasileiro. Na sexta, a programação trouxe a discussão sobre os neojudeus em Belo Jardim e Brejo da Madre de Deus, ambos municípios de Pernambuco e história da presença do judaísmo no estado.

História de um povo em migração
Sinagoga Kazal Zur Israel, fundada no século 17, na Rua do Bom Jesus, é testemunha da chegada dos judeus a Pernambuco após a perseguição na Europa

Sinagoga vive seu próprio renascimento

O momento de “renascimento do judaísmo”, como tem sido chamado esse fenômeno de retorno à religião de ancestrais, coincide com uma abertura especial da Sinagoga Israelita na Rua Martins Junior, no bairro da Boa Vista, Zona Central do Recife. Segundo o presidente da casa, Guilherme Zaicaner, desde os anos 1980 o templo não funciona regularmente para rotinas litúrgicas diárias e só abre para grandes festividades, encontros da comunidade judaica em Pernambuco e programações de visita guiada, já que serve também como museu.

“Pelo menos duas vezes por semana aparecem pessoas querendo saber mais sobre o judaísmo porque essa sinagoga é um ponto de referência da nossa comunidade. Então é importante atrair judeus e não judeus para conhecer mais sobre a nossa história”, justifica Zaicaner.

O economista e escritor Jacques Ribemboim pontua que a Sinagoga Israelita da Martins Junior, da qual foi presidente em 2011, é uma pérola do judaísmo do século 20. “Essa sinagoga é de 1927 e mantém todo o mobiliário original da época. Foi construída com muito sacrifício pelos judeus, que começaram a chegar no início dos anos 1920, da região da Bessarábia (nas atuais Modálvia e Ucrânia), para habitar o bairro da Boa Vista”, conta Jacques.

Segundo ele, com a mudança dos judeus da área central do Recife para regiões mais afastadas, as atividades dessa sinagoga, que era frequentada inclusive pela escritora Clarice Lispector, foram ficando menos rotineiras e perdendo o movimento ao longo dos anos. Em 2006, o local foi reaberto.

Zaicaner ressalta que muitas pessoas ainda hoje acreditam que a comunidade judaica que existe hoje em Pernambuco  é a mesma que frequentava a Sinagoga Kahal Zur israel da Rua do Bom Jesus, no Bairro do Recife. “Após a expulsão dos holandeses de Pernambuco, os judeus que aqui permaneceram e que fundaram a primeira sinagoga das Américas acabaram se espalhando pelo interior do estado. A da Martins Junior é outra comunidade judaica que migrou ao Brasil no início dos anos 1900, fugindo da perseguição”, detalha Guilherme Zaicaner. Informações sobre visitas às sinagogas Israelita e Kazal Zur Israel podem ser obtidas pelo telefone (81) 3224-2128.

Saiba mais

Sinagoga Israelita do Recife

  • Fundada em 1927
  • Comunidade de judeus oriundos principalmente da Europa Oriental
  • Está localizada no número 29 da Rua Martins Junior, bairro  da Boa Vista
  • Foi inicialmente conhecida como Shil Sholem Ocnitzer, em homenagem a um de seus fundadores
  • Servia aos judeus que moravam no bairro da Boa Vista
  • Foi frequentada por Clarice Lispector
  • Posteriormente, foi chamada de Synagoga Israelita da Boa Vista
  • A denominação atual foi adotada em 1987
Confira a programação do 2º Congresso Internacional de Antropologia da Religião

SÁBADO
Local: Sinagoga Israelita do Recife, Rua Martins Junior, 29, Boa Vista

Shabat com o rabino Jacques Cukierkorn

10h às 12h
Liturgia judaica: Shacharit

15h às 17h
Estudo da Torah: Parashá Terumah

18h
Liturgia judaica: Havdalá

19h
Lançamento do livro Em busca da Sefarad - de Portugal a Pernambuco, de Felipe Goifman

DOMINGO
Local: Cemitério Judaico, no Barro

10h
Liturgia: Kadish ao Chacham Isaac Essoudry
Rabino Jacques Cukierkorn
Guilherme Zaicaner
Renato Athias