Uma geração que precisa ganhar as ruas Reduzir o uso do automóvel no deslocamento das crianças é um dos principais desafios na mobilidade

Alice de Souza
Anamaria Nascimento
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Publicação: 03/02/2018 03:00

A volta às aulas é o gatilho para a tensão de quem se locomove pelo Grande Recife. A angústia é provocada pelo aumento de 25% na frota de veículos nas ruas. Uma das causas dos engarrafamentos é a decisão dos pais em optar pelo carro no caminho entre a casa e a escola, por menor que ele seja. Quase um terço dos deslocamentos para os colégios da capital é feito em automóvel, de acordo com a Pesquisa Origem-Destino do Recife, do Instituto da Cidade Pelópidas Silveira.

Enxergar o veículo motorizado particular como principal meio de transporte no percurso escolar parte de uma lógica formatada no século passado. A agenda urbana do novo milênio, adotada na Terceira Conferência das Nações Unidas sobre Moradia e Desenvolvimento Urbano Sustentável (Habitat III), parte de uma nova premissa: a promoção de mobilidade urbana sustentável sensível à idade e ao gênero, acessível para todos, e integrada às políticas de desenvolvimento territorial.

Uma das formas de atingir esse objetivo é pensar nas próximas gerações e considerar as crianças como agentes ativos da mobilidade, detentoras de autonomia. “É preciso incentivar a mobilidade ativa, que a criança caminhe ou vá de outros jeitos, como bicicletas ou patinete. É importante para a saúde da criança, que precisa fazer exercícios físicos, e também porque ela precisa conhecer a cidade, tocar, cheirar e conviver com outros cidadãos diferentes”, explica a arquiteta, urbanista e especialista em cidade e infância Irene Quintáns.

Para que isso ocorra, é necessário mudar também o paradigma de cidade, já que hoje o público infantil é vítima de uma urbe que não se prepara para recebê-lo. “A grande dificuldade é que a nossa matriz de transporte ainda é dependente do veículo motor. Estamos caminhando para um ponto de inflexão bastante sério, principalmente numa cidade de passado mais orgânico como o Recife, sem traçado homogêneo”, afirma o conselheiro federal do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) Roberto Salomão.

A mobilidade ativa infantil, considerada peça-chave na engrenagem do futuro de qualquer cidade, não diz respeito apenas ao deslocamento, mas a um projeto mais amplo de uso e ocupação dos espaços públicos. O ajuste só será pleno se garantidos outros direitos, como segurança, acesso à educação e ao lazer.