Curiosidade mórbida na internet Interesse na morte leva muitos internautas a navegarem por páginas ou perfis que exploram o tema

Aline Souza
alinesouza.pe@dabr.com.br

Publicação: 29/01/2014 03:00

Grupo surgiu no Orkut em 2009 e depois foi transferido para o Facebook com a ideia de homenagem póstuma (GREG/DP)
Grupo surgiu no Orkut em 2009 e depois foi transferido para o Facebook com a ideia de homenagem póstuma
Assim como a vida alheia pode aguçar a curiosidade de muita gente, a morte também parece chamar a atenção, principalmente quando a vitrine é a internet. Nesta semana, o incêndio ocorrido na boate Kiss, em Santa Maria, Rio Grande do Sul, completou um ano. A tragédia que deixou 242 pessoas mortas e mais de 620 feridos foi explorada ao extremo e fez ressurgir muitas questões envolvendo a morte e sua presença na internet, inclusive nas redes sociais.

Imagens e perfis de pessoas envolvidas no acidente foram divulgados e revisitados várias vezes por internautas que buscavam informações ou, simplesmente, queriam ver o acontecido ou saber da história. O fato, que na época não foi nem um pouco bem recebido por muitos familiares e amigos de vítimas, levanta um questionamento: “O que nos leva a buscar tantas informações sobre a morte de pessoas, muitas vezes desconhecidas?”.

Para alguns, morbidez; para outros, pura curiosidade. A psicóloga Ana Luiza Moreira Mano, coordenadora do Instituto Coaliza de Educação Cidadã e Digital, acredita que a internet permite ao usuário mostrar uma intenção que já existe no real. “A curiosidade de desvendar algo desconhecido, que nesse caso é a morte, é um fenômeno universal. Quando alguém compartilha e olha algo, não pensa, em um primeiro momento, que aquilo possa acontecer com ela. Por não haver respostas definitivas e ser algo inevitável, o interesse é grande”, diz a psicóloga. Ela lembra também que o interesse nessas observações pode envolver um tipo de esperança pessoal.

“Normalmente, não nos imaginamos em confronto com a morte. É como se pudesse acontecer com o outro, mas fosse diferente com a gente. Então o ‘contato’ com essa natureza nos faz tentar compreender esse processo e, quem sabe, poder superar uma perda de um ente querido ou mesmo alguma situação pessoal”, completa Ana Luiza.
No Facebook, quase seis mil pessoas pertencem a um grupo intitulado Profiles de Gente Morta, que também mantém uma página na internet (www.pgmsite.com.br). Segundo Victor Santos, criador do site e um dos administradores do grupo, o PGM começou em 2009, no Orkut, e servia como um site de busca para os perfis publicados na comunidade da falecida rede social.

“A proposta principal do PGM é prestar homenagem, preservando a memória dos que morreram e tiveram um perfil em redes sociais. Mas também funciona como uma prestação de serviço”, conta o administrador da página, que diz já ter recebido e-mails de pessoas agradecidas por terem encontrado, por meio do site, notícias de conhecidos que morreram.

“Tem muita gente que fica informada da morte de pessoas por lá. Outra coisa que o grupo promove são conversas acerca de temas relacionados à morte. Alguns membros do grupo já relataram que as discussões acabam incentivando as pessoas a valorizarem mais suas vidas, acho que pelo exemplo de mortes que elas veem”, diz Victor. “Para os que não participam do grupo, acho que deva parecer algo mórbido ou bizarro, mas esta estranheza se desfaz quando se começa a participar”, completa.

A estudante de comunicação Cristina Keune, 26 anos, integrante do PGM desde o Orkut, acredita que há uma curiosidade mórbida no interesse desse conteúdo, mas que se aproximar dos rostos e de uma história por trás das páginas policiais também traz um tipo de reflexão. “A maioria dos casos postados é de jovens da minha idade. Acabamos por ver como eles eram, as suas vidas e seus planos. É uma lembrança constante de quão frágil é a nossa vida”, conta a estudante.