Luz para a moda Filha do multi-instrumentista Naná Vasconcelos, a jovem estilista pernambucana de 17 anos dá início neste mês à carreira internacional nos Estados Unidos

texto: Larissa Lins
larissa.lins@ diariodepernambuco.com.br

Publicação: 28/01/2017 03:00

Rústico: Para as peças de Severina, Luz Morena usou tecidos  robustos e aplicações artesanais  (Anderson Freire/DP)
Rústico: Para as peças de Severina, Luz Morena usou tecidos robustos e aplicações artesanais

Aos 17 anos, a pernambucana Luz Morena Vasconcelos decidiu seguir o conselho do pai, o multi-instrumentista Naná Vasconcelos, morto em março de 2016, e selar novo destino. Malas feitas, embarcou rumo a Nova York, nos Estados Unidos, onde pretende fazer carreira no mundo da moda. É um sonho antigo: dedicada ao piano erudito desde a infância, Luz externava o desejo de se tornar estilista há anos. A mãe, Patrícia Vasconcelos, lhe pedia que reconsiderasse. “Agora, ela está se mudando comigo, dando todo o suporte. Fechamos nossa casa no Recife, por ora, e vamos batalhar juntas em Nova York”, conta a jovem.

Para submeter-se à seleção de vagas das principais graduações em moda dos Estados Unidos, Luz Morena desenvolveu coleção inspirada nas raízes nordestinas, intitulada Severina. Era preciso atar laços às próprias raízes antes de alçar voo para longe de casa. As dez produções assinadas por ela reúnem elementos da cultura popular do Sertão nordestino e fazem referência à obra Morte e vida severina, do escritor pernambucano João Cabral de Melo Neto. São tons terrosos, bordados, estampas feitas à mão. Tudo produzido em Pernambuco. “Usei linho e tecidos mais rústicos, para reforçar a ideia de Sertão, além de muitas tonalidades de marrom. Também usei redes para alguns detalhes das peças. As flores são inspiradas nas flores típicas do Sertão do estado. Pesquisei sobre a flora local para desenvolver as estampas”, conta.

Em dezembro passado, Luz chegou a assinar três composições para pocket desfile de inauguração de um brechó na Zona Sul do Recife. Foi sua primeira experiência nas passarelas. Teve certeza de que conservara a vontade que revelou aos pais aos dez anos: queria atuar nos bastidores daquele segmento. Diz não ter habilidade lapidada para desenhar os próprios croquís, mas se realiza desenvolvendo todas as etapas subsequentes do processo de criação de uma coleção. Planeja adestrar os traços, rascunha nas madrugadas se lhe bate inspiração, às vezes encomenda desenhos que materializem suas ideias. Foi rabiscando dezenas de vestidos enquanto assistia a desfiles e programas de auditório na televisão, ainda na infância, que Luz gestou o sonho de integrar o mundo da moda.

“É importante para mim falar como meu pai influenciou a decisão de correr esse risco, empacotar tudo e partir. Tentar viver do que eu gosto. Teve um momento, quando ele estava internado, em que me chamou ao hospital para dizer que eu não poderia deixar de ir em busca do que queria, mesmo fora do Brasil. Ele disse que esse era o meu sonho, e que ele desejava que eu o realizasse. Aquilo mudou tudo”, lembra Luz Morena. Ao escolher entre Paris e Nova York, dois dos pontos mais influentes do globo no circuito da moda internacional, a pernambucana optou pelos Estados Unidos. Foi novamente influenciada pelo pai. Naná viveu durante quase 30 anos em Nova York, onde travou parcerias fundamentais para a carreira musical e escreveu seu nome entre expoentes do jazz e blues norte-americanos. “A história que ele construiu lá fora foi determinante para que eu definisse para onde deveria seguir. Significou muito para mim”, pontua Luz.

No pai, encontrou o apoio do qual precisava para investir no que, a princípio, lhe parecia um sonho infantil. Quer reencontrá-lo através das memórias deixadas em Nova York, onde pretende resgatar e preservar materiais raros de sua produção. “Há muita coisa dele naquela região. Estarmos lá é, também, uma forma de cuidar do legado dele. Tem muitas pessoas que nos procuram em Nova York, em Nova Jersey, interessadas em estudar a obra dele, recuperá-la. Muita gente conhece o nome dele”, diz. Luz, com formação em piano erudito, não pensa em seguir carreira musical em paralelo à de estilista, mas quer entrelaçar sua assinatura na moda à música do pai.

Entrevista

Luz Morena // pianista e estilista

O que o Sertão, protagonista de sua coleção Severina, representa para você?
Há uma relação afetiva forte nessa inspiração. O Sertão é, na verdade, algo subjetivo. Muita gente trabalha duro nos sertões do mundo, do Brasil, do Norteste. Há pobreza, aridez, mas o Sertão é encantador. As pessoas são humildes e muito, muito fortes. O Sertão representa, para mim, trabalho e luta. O Sertão lembra, ainda, o recomeço. Assim como sugere a obra de João Cabral de Melo Neto, Morte e vida severina. É uma energia poderosa, uma força.

Além do incentivo à carreira, Naná Vasconcelos também inspira o seu trabalho?
Sim, muito. A música dele me acalma mais do que qualquer coisa. A carreira do meu pai me inspira muito. Tudo, absolutamente tudo que ele fez. Quando eu estiver mais estabelecida, mais experiente, quero desenvolver uma coleção em homenagem a ele. O que ele viveu em Nova York foi decisivo para que fôssemos para lá, por exemplo. E ele, que era artista, entendia a minha inclinação para as artes, para a moda, mesmo que, para os outros, parecesse arriscada.