Renda-se ao artesanal Trabalhos como as rendas renascença e labirinto e o bordado richelieu ganham passarelas e revigoram artesanato regional

Larissa Lins
larissa.lins@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 02/06/2018 03:00

Considerada a maior semana de moda autoral da América Latina, o mais recente Dragão Fashion - realizado no último mês, em Fortaleza (CE) – sinalizou valorização da renda nordestina para as próximas temporadas, dando protagonismo ao trabalho manual e à sua relevância para a cultura da região. Nos bastidores da moda engajada com conjunturas políticas e sociais da atualidade, fatores como o empoderamento das mulheres rendeiras, a busca por dinâmicas de produção sustentáveis e o crescente interesse pelo slow fashion (moda consciente) têm ajudado a conduzir a renda ao centro dos holofotes. Marcas como a cearense Rendá, da estilista Camila Arraes, e sua conterrânea Almerinda Maria, têm estendido a admiração pela costura nordestina a todo o país, enquanto o preciosismo das roupas feitas à mão ganha condecoração internacional.

“Eu costumo dizer que nós fazemos peças que podem ser tiradas do armário daqui a cinco ou dez anos e ainda serem modernas. Isso é típico do artesanato, do trabalho artístico: cada peça de roupa é uma obra de arte. Não é um item descartável, que no próximo ano já está fora de moda, fora de coleção, ultrapassado. Por ser feito à mão, por envolver a valorização do artista, do artesão, cada item é uma criação atemporal”, avalia Camila Arraes, à frente da Rendá. A ponderação tem sido reverberada há alguns anos por especialistas e criadores do circuito internacional da moda, mas parece mais robusta a cada dia. A conscientização política em torno do consumo de roupas e acessórios – incentivada em documentários atuais de sucesso, como The true cost (2015), que destrincha os impactos ambientais e humanos da indústria fashion – contribui para “girar a chave” no segmento e ressignificar a produção artesanal.

Na passarela do Dragão Fashion Brasil 2018, receitas para revigorar a renda nordestina na esteira da valorização do slow fashion se revelaram: a associação entre diferentes técnicas manuais e a combinação de matérias-primas luxuosas às rendas tradicionais foram apostas acertadas da temporada. A Rendá se inspirou nos mares do litoral nordestino, das saídas de banho aos vestidos casuais, e misturou o richelieu à renda belga, pinçando semelhanças entre a manufatura do Nordeste brasileiro e da Europa ocidental para a coleção intitulada A(mar). Plumas, flores e outras delicadezas foram costuradas à renda renascença – técnica que cunhou a identidade da marca desde sua criação –, dando nova vida às tradições do artesanato.

A estilista Almerinda Maria, por sua vez, uniu renda renascença, bordado richelieu  e labirinto a tecidos nobres, como linho e seda pura, na coleção Renda-se à bossa. Uma ode à manufatura e suas variadas técnicas, a performance foi embalada por jazz e bossa nova - movimento musical que inspirou a estilista no processo de criação. As composições da estilista, cuja experiência com a renda teve início nos anos 1980, fugiram ao óbvio e lançaram luz sobre a inventividade – entre decotes, golas estruturadas, amarrações e transparências - enquanto resposta contemporânea para o handmade.

As rendas

Renda renascença:
  Com origem na Itália do século 16, foi trazida ao Brasil pelos portugueses e prosperou na região Nordeste. Feita à mão, é reconhecida pelos desenhos concêntricos, pontos e entrelaçados delicados - produzidos em tecido branco.

Bordado richelieu:  Também criado na Itália, se disseminou pelas mãos de freiras católicas e teve seu nome inspirado no cardeal Richelieu, que chegou a criar oficinas para preparo do bordado. O richelieu é bordado com linha branca sobre recortes em tecidos leves, como o linho Panamá.

Renda labirinto: Trazido ao Brasil por comunidades portuguesas do século 17, o labirinto consiste na confecção de gravuras pelo entrelace de fios. É confeccionado a partir de tecidos finos, especialmente o linho.

3 perguntas

Camila Arraes // estilista da Rendá

A coleção A(mar) agrega renda nordestina e renda belga. Como se deu essa junção?
A nossa principal matéria-prima é a renda renascença, que é a renda feita no interior da região Nordeste como um todo. Nas nossas pesquisas durante esse percurso, descobrimos na Bélgica, numa cidade também pequenininha, um processo de fazer renda parecidíssimo com o da renda Renascença. É manual também, desenhado no papel, depois preenchido ponto a ponto. Trouxemos algumas peças da coleção mixadas entre nossa renda nordestina e a renda belga.  

E como você vê, no futuro da moda, o posicionamento das técnicas artesanais, das roupas feitas à mão?
Se depender da gente, esse tipo de trabalho será perpetuado e cada vez mais valorizado. Estamos numa crescente. O trabalho das rendeiras hoje recebe um olhar até mais cuidadoso da parte dos empresários, do mercado. O artesanato não é mais visto como aquela matéria-prima baratíssima. É um trabalho cada vez mais qualificado e cada vez mais valorizado. Antes, a renda era muito arraigada aqui no Nordeste. Hoje, saindo com uma peça feita à mão por todo o país, fora do nosso circuito, as pessoas enlouquecem.

Quanto tempo foi necessário e quantas pessoas estiveram envolvidas na produção da nova coleção?
Muito antes da coleção, já existe uma equipe de rendeiras envolvidas no nosso processo de produção. Mulheres baianas, alagoanas, do Nordeste como um todo. No Ceará, é muito forte a renda richelieu, mais do que a Renascença. Ainda estamos fomentando essa produção, desenvolvendo a produção de renascença no Ceará. Na pré-produção, envolvemos centenas de rendeiras.