DIREITO DEFAMíLIA » Audiência de admoestação

por ibdfam -
desembargador jones figueiredo

Publicação: 02/08/2014 03:00

Centros de educação e reabilitação para os agressores em casos de violência doméstica serão instrumentos mais eficientes para o controle da criminalidade de gênero, funcionando como oficinas socioterapêuticas do que as pretendidas audiências judiciais de admoestação.

Projeto de Lei nº 6265/2013, em curso na Câmara Federal, introduz parágrafo 2º ao artigo 20 da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) determinando que a revogação de prisão preventiva do agressor será precedida de “audiência de admoestação”, “na qual o agressor será advertido pelo juiz acerca da nocividade social da violência doméstica e familiar e das consequências individuais do não cumprimento das medidas protetivas a ele impostas, inclusive nova decretação de prisão”.

Ora bem. Nada obstante o propósito saudável da iniciativa legislativa, em intento dissuasório das penas de prisão, é sabido e consabido que mais urgentes serão sempre as medidas profiláticas de prevenção da violência doméstica, tendentes a inibir agressões mais severas, em resolução dos conflitos conjugais/convivência, que devam ser logo tratados em seus graus iniciais.

Estabelecer programas de recuperação do agressor, nas diversas latitudes do conflito existente servirão, sem dúvida, como freios inibitórios ao agravamento das dilacerações domésticas.

Curiosamente, o projeto de lei limita-se a incluir a audiência de admoestação entre os procedimentos decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, situando-a apenas à hipótese de colocação em liberdade do agressor, com o viés unicamente admonitório. Não custa lembrar, em sede do processo penal, a clássica audiência admonitória quando o réu, uma vez beneficiado pela suspensão condicional da pena, comparece em audiência especial, ali é advertido pelo juiz criminal da condenação, sobre as conseqüências da prática de nova infração penal e aceita as condições impostas para o “sursis”.

Para a jurista Adélia Pessoa Leite (SE), presidente da Comissão de Gênero e Violência Doméstica do IBDFAM, “as intervenções do Estado precisam ir muito além da pena privativa de liberdade”, certo que se a prisão do agressor não é a solução suficiente ou adequada, importa mais essencial que sejam descontruídos os estereótipos de gênero, evitando os “comportamentos obsessivos de dominação e de controle de suas parceiras” por parte daqueles agentes de crimes atinentes à violência doméstica, na sua grande maioria reincidentes específicos.

De fato. O referencial do princípio da igualdade de gênero deve ser a matriz educacional em programas de reeducação do agressor, em compreensão desconstrutiva dos papéis de dominação por ele exercido perante o cônjuge e a família. É evidente que uma única audiência de admoestação, onde mesmo presente profissional especializado, nos termos do art. 31 da Lei nº 11.340/06, não possibilita, em seu limite de tempo, um produto de formação adequada do agressor a torna-lo apto ou capacita-lo a não reincidir.

Por isso mesmo melhor será atuar na proliferação de cursos de formação de gênero, que servirão para uma nova cultura de igualdade entre os sexos. A vulnerabilidade do gênero feminino em uma sociedade de dominação masculina deve ser enfrentada com métodos pedagógicos de autoconsciência reflexiva, a impedir que a mulher, ela própria, seja conformada em lugar subalterno e o homem repense e critique a sua atuação dominante, criminogênica por atitudes abusivas diante da pretendida vulnerabilidade da mulher. Cursos em escolas, universidades, associações de classe, associações comunitárias, empresas e em outros segmentos sociais.

Lado outro, audiências de admoestação, para melhor leitura do art. 1º do PL 6265/13, deveriam ser feitas sempre que instalados os procedimentos da Lei 11.340, mais precisamente, quando da imposição das medidas protetivas de urgência à ofendida e das que obrigam o agressor (artigos 18 a 24). Ou seja, impõe-se o chamado imediato do agressor, em tempo instante, para sob os efeitos da lei, submeter-se, de plano, ao amplo espectro protetivo da mulher ameaçada. Estas audiência, com a regência socioterapêutica de urgência, nada obstante admonitórias, terão efeitos mais profiláticos, que aquela sugerida apenas quando e para a soltura do acusado.

Cumpre-se dizer, afinal, que melhores audiências especiais prestarão o Estado quando, para além da lei, politicas públicas eficientes sirvam, com visível efetividade, a proteger a mulher, em toda a sua dignidade, fora do processo judicial e antes dele.

JONES FIGUEIRÊDO ALVES – O autor do artigo é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), coordena a Comissão de Magistratura de Família. Autor de obras jurídicas de direito civil e processo civil. Integra a Academia Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ).