Deu samba na HQ Artistas se inspiram na obra do compositor Adoniran Barbosa para criar ficção pintada à mão

Mariana Vieira
edviver.pe@dabr.com.br

Publicação: 22/07/2014 03:00

 (DEAD HAMSTER/DIVULGAÇÃO)

O compositor, sambista e ator paulista Adoniran Barbosa (1910-1982) cantou personagens e bairros de São Paulo do início do século passado, imortalizados e repetidos em rodas de samba até hoje. Os bairros do Mooca, Bixiga e Barra Funda, habitados por imigrantes italianos — como era o caso dos pais de Adoniran — são pano de fundo do enredo da recém-lançada história em quadrinhos Quaisqualigundum, parceria da dupla Roger Cruz e Davi Kalil.

Roger é conhecido do público brasileiro por suas colaborações para a editora Marvel, tendo desenhado para histórias como O homem aranha, X-Men e Wolverine. Agora, assina o roteiro original. “Conheço a obra de Adoniran desde criança, quando minha mãe ouvia e cantarolava as músicas dele que tocavam no rádio”, lembra.

Mas foi apenas em 2009, ao ouvir as músicas com atenção, que começou a formular perguntas que dariam origem ao trabalho. “Comecei a me perguntar, quem eram ‘Eu, Matogrosso e Joca’? Como eles se encontraram e como foram parar na maloca querida? Para onde foi Inez? Por que não voltou? Por que rolou uma briga no samba no Bixiga? Por que o Arnesto não estava no Brás no dia combinado para o samba?”, detalha. A ideia, no começo, era produzir também os desenhos. “Cheguei a fazer esboços e mostrar para amigos, mas não me lembro quando vi uma arte de Davi e percebi que o estilo tinha tudo a ver com o projeto”, justifica Cruz.

Ele então convidou o artista David Kalil para desenhar e conferir as cores, em trabalho manual feito com tinta guache e aquarela. “Porque adoro pintar, estudo pintura há anos e gostaria de passar pelo desafio de fazer álbum na tinta”, diz Kalil, professor de pintura em São Paulo.

Curiosidade
Jaçanã? Apesar da referência no título, o nome do álbum Quaisqualigundum foi tirado da introdução de Trem das onze, mas a história em si não chega a aparecer. As outras canções são Saudosa maloca, Samba do Arnesto, Apaga o fogo mané e Samba no Bixiga.

 (DEAD HAMSTER/DIVULGAÇÃO)

Entrevista >> David Kalil


As HQs no Brasil estavam limitadas a enredos de super-heróis, monstros e afins. Como você avalia o momento?
 Nós não temos um mercado maduro como é o caso dos EUA, da França, Bélgica ou do Japão, mas estamos caminhando na direção de algo que, daqui a anos, pode se tornar o nosso “jeito” ou “estilo” de fazer HQ. A vantagem é que agora estamos no começo e vivemos um vale-tudo. A todo momento sai um projeto novo por aí e cada coisa é diferente da outra.

A escolha de colorir com tinta, manualmente, vai na contramão dos trabalhos que hoje são bem digitalizados. Por que a decisão?
Também faço cores digitais, mas, quando trabalho no computador, gosto de fazer cores bem simples. No caso do Quaisqualigundum, usei guache e aquarela e abusei dos respingos de tinta, texturas, pinceladas e manchas que surgiram acidentalmente ao longo do processo.

Você considera viável esse tipo de projeto visitando a obra de outro músico?
Tenho muitas ideias para novas HQs no momento, mas são conceitos bem diferentes. Uma dica para quem pretende entrar nessa, resolva as questões dos direitos autorais antes de fazer os desenhos, vai te poupar trabalho.

Um CD
O Demônios da Garoa, com 70 anos, representa o samba paulistano e é o principal intérprete de Adoniran Barbosa, de quem gravou a obra. Em Um samba diferente, CD que o grupo lança pela Biscoito Fino, ele marca presença em Trem das onze. “Nós o perdemos em 1982, mas mantemos a memória. Nos shows e discos, buscamos músicas novas, de outros compositores, que admiramos, mas os sambas de Adoniran são aguardados pelos fãs”, diz Sérgio Rosa, filho de Arnaldo Rosa, um dos fundadores. (Irlam Rocha Lima)

Serviço

Quaisqualigundum
De Roger Cruz e Davi Kalil. Selo Dead Hamster, 75 páginas. R$ 45

Um samba diferente
CD do Demônios da Garoa, com 14 faixas. Lançamento da Biscoito Fino. R$ 29,90.