A espiritualidade do ferro
Artista visual Diogum revela ao Viver as origens, desafios e conceitos de um processo criativo que transformou intuições ancestrais em peças conceituais
André Guerra
Publicação: 26/04/2025 03:00
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Nome do artista referencia seu orixá, Ogum, senhor do ferro e da tecnologia |
Conferir o sentido de leveza, espiritualidade e libertação a um material associado ao peso, à dureza e ao aprisionamento tem sido a linha mestra do trabalho de Diogum. O artista recifense teve seu desabrochar durante a pandemia, quando decidiu fechar o bar que mantinha em Olinda e mergulhou de vez na pesquisa artes do ferro. Parte desse trabalho pode ser conferida na exposição individual Ferro Ifé: O Atlântico Negro de Diogum, em cartaz no Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães (Mamam) até o dia 27 de abril, com curadoria de Bruno Albertim e produção da Galeria Amparo 60.
Nascido Diogo Jorge de Oliveira, ele incorporou para si o nome que referencia seu orixá, Ogum (senhor do ferro, da guerra e da tecnologia). Filho mais velho do metalúrgico Zaqueu, que chegou a ter sua própria serralharia, Diogum aprendeu desde cedo com o pai as técnicas de solda e acabamento, tornando-se o único de quatro irmãos que realmente enveredou pelas artes.
Enquanto ainda estava na fase dos artesanatos, suas primeiras peças foram pássaros, que viraram assinatura reconhecível de sua produção. Seu pai chegou a ver o início desses pássaros, mas faleceu no começo da pandemia sem conseguir alcançar a consagração de artista do filho, que se tornou também um orgulho para os irmãos. “Quando eu comecei, eles não entendiam muito o que eu estava fazendo, mas quando o processo foi afinando eles passaram a prestigiar, a dizer que minhas peças orgulhariam nosso pai”, celebra o artista em bate-papo com o Viver.
A artesania de meados de 2019 foi pouco a pouco se transformando em um projeto conceitual de artes visuais. Contando com a parceria criativa indispensável de sua esposa, a pintora baiana Sil Karla, Diogum passou a racionalizar seu trabalho e compreendê-lo como uma busca pela ressignificação do ferro através da sua ancestralidade.
Formas humanas, pássaros, criaturas marinhas, orixás, símbolos abstratos compõem as peças de distintos tamanhos e dimensões, sempre reprensentando uma conexão espiritual que desafia a dureza do ferro. Expondo na Fenearte e ganhando espaço em outros projetos posteriores, ele foi convidado para expor nas celebrações de 25 anos da Amparo 60. Após a individual Ferro e Fé no Mamam, ele se prepara ganhar o mundo, levando duas peças para expor no Grand Palais, em Paris.
“Eu e minha companheira temos a sorte de ter um ao outro para conversar o tempo inteiro, com muita riqueza, sobre nosso trabalho. Ela tem o lado da formação teórica que eu não tenho, já que fez Artes Visuais na UFPE, e me ajudou muito na construção do conceito da minha criação”, destaca Diogum, ao lado de Sil Karla.
O artista ressalta a diferença entre as peças de acabamento rústico e as mais recentes como representantes de distintos momentos de seu trabalho. “Nessa exposição Ferro Ifé tem algumas obras que estão entre os meus trabalhos mais antigos e acho importante trazê-los também para mostrar a evolução do acabametno do meu trabalho”, explica. “Mesmo que eu tenha desenvolvido um conceito, minhas obras são moldadas às vezes de maneira muito livre e eu gosto de deixar espaço em todas elas para que o público possa interpretar do seu jeito, sentir ao seu modo. É isso que completa a experiência da arte”. Moldar e domar a dureza do ferro exige mais do que o talento e a força física de Diogum, mas, principalmente, uma dedicação espiritual.