Existe panelinha?
Atores de teatro enxergam indiferença e aversão de cineastas locais ao preteri-los em elencos de filmes pernambucanos. Diretores criticam "cacoetes" e "exageros"
ISABELLE BARROS
isabelle.barros@diariodepernambuco.com.br
Publicação: 06/05/2017 03:00
O teatro e o cinema, em Pernambuco, parecem estar em dois mundos diferentes, com uma barreira invisível que impacta diretamente no que se vê nas telas. De um lado, estão atores locais que se queixam de não conseguir espaço em produções do audiovisual pernambucano, mesmo após anos de palco, e, de outro, diretores que não assistem aos espetáculos locais em cartaz e preferem trabalhar com rostos já testados em outros filmes. A polarização atinge até mesmo atores com trânsito na TV ou no cinema de outros estados, como Pedro Wagner, integrante do Grupo Magiluth e que defendeu o personagem Oswaldo na série global Justiça. “Participei de seis longas-metragens em três anos, mas nenhum era local. Queria muito trabalhar aqui, mas encontrei uma certa dificuldade. Às vezes, nem fico sabendo quando há uma seleção”.
Pedro, que também trabalhou como preparador de elenco da série Fim do mundo, dirigida por Hilton Lacerda e Lírio Ferreira, identifica esse gargalo e aponta um momento difícil também para quem faz teatro. “Para mim, quem é de teatro vê muitos filmes, mas a recíproca não é verdadeira. Acho estúpida essa falta de diálogo, pois temos muito a lucrar com ele. Ao mesmo tempo, precisamos, como artistas, fazer uma autorreflexão. O teatro vive, no Recife, um momento de sombra. Como ter mais visibilidade? Isso é uma luta necessária”.
Outro ator que reclama da questão há anos é Samuel Santos, um dos fundadores do grupo de teatro O Poste Soluções Luminosas e ator há quase três décadas. “Já ouvi cineastas dizerem que não veem teatro pernambucano porque não os interessa. Vários deles associam o trabalho no palco a um exagero na linguagem. No entanto, no exterior, esse tipo de pensamento não existe. Cada linguagem tem sua forma específica, sim, mas sem praticarmos, fica mais difícil de surgirem mais nomes de excelência como Irandhir Santos e Hermila Guedes”.
Samuel, que participou em pequenos papéis de filmes como Amarelo Manga, de Claudio Assis, e o espanhol Yucatán, gravado no Recife no início do ano, reivindica um espaço maior para atores locais. Ao mesmo tempo, elege um cineasta para ilustrar como o intercâmbio entre profissionais de teatro e cinema pode ser mais produtivo. “Fiz um filme com Camilo Cavalcante (o curta Matarás) e foi muito rico. Antes, ele tinha receio de trabalhar com atores profissionais e, para nós, a linguagem do audiovisual era algo difícil de entender. Aos poucos, aprendemos juntos e chegamos a ganhar festivais com o trabalho”.
Marcos Castro, por sua vez, ilustra um terceiro lado da questão. O profissional trabalha com publicidade e cinema há 14 anos, nove deles como produtor de elenco. Seu trabalho é garimpar atores para ajudar diretores a escolher quem se enquadra melhor em cada perfil de personagem. Há quase dois anos, ele fundou a empresa Casa de Papel para deixar esse processo de escolha mais transparente. “Quis fazer um banco de atores, porque o mercado cresceu e eu precisava me profissionalizar. Tenho a ajuda de uma atriz, Nínive Caldas, para ir aos espetáculos e me ajudar a garimpar talentos. Sinto uma certa dificuldade dos atores locais de teatro em ir para os testes, pois acham que não adianta. Temos artistas incríveis e, às vezes, eles mesmos têm preconceito com cinema ou TV. Minha busca é justamente quebrar essa barreira”.
O respeito ao trabalho do ator, diz Marcos, é outra variável dessa equação que precisa ser rediscutida, especialmente nos processos de seleção. “Desde o ano passado, por exemplo, venho falando com diretores e produtores pernambucanos sobre a importância do cachê-teste. O valor serve como ajuda de custo para os atores. É o trabalho deles, então essa quantia é necessária”, completa.
O cineasta Lírio Ferreira, diretor de filmes como Baile perfumado, Árido movie e Sangue azul, prefere contemporizar, mas sem perder de vista as diferenças entre teatro e cinema. “Para mim, esse desconforto é novidade, mas, se existe para alguns, é preciso falar sobre isso. No teatro, mesmo pra falar uma coisa baixa, voce tem que se expressar de forma que todo mundo te perceba. O ponto de vista, o olhar é diferente. Tem gente que se adapta mais rápido e, como estamos produzindo muito em cinema e TV, e o momento é cada vez mais de utilizar uma mão de obra local. Eu sou espectador de teatro e reconheço a tradição pernambucana em ter excelentes atores”.
Lírio diz levar a experiência no audiovisual em consideração em certas situações. “Reconheço a necessidade de escalar pessoas novas, mas, em alguns filmes com tempo de preparação menor, recorro a atores mais experientes”.
E no teste?
O produtor de elenco Marcos Castro elenca algumas das questões que os atores precisam levar em conta ao fazer testes. “O teste é como uma entrevista de um trabalho que você gostaria muito de conseguir. A partir dele, por exemplo, os atores conseguem ter um material em vídeo e, muitas vezes, quem trabalha em teatro não tem isso. Passando ou não, ler, estudar, assistir a filmes e fazer cursos também é muito importante”. O profissional elenca quatro itens fundamentais: pontualidade, calma, domínio do texto que você recebeu previamente para o teste e usar roupas básicas, como jeans e camiseta. “Isso facilita a visualização do personagem para o diretor. Já vi vários atores perdendo papéis porque o que eles vestiam era muito espalhafatoso ou estava distante do que se pedia na obra”.
Pontos de vista
Os argumentos dos envolvidos sobre o assunto
DE UM LADO
Atores
Diretores
Profissionais com a capacidade de transitar entre cinema, televisão e teatro são comuns no exterior. Muitos se destacam em campos distintos onde atuam
Hugh Jackman
O australiano, intérprete de Wolverine no cinema, é elogiado também por cantar e dançar. Ganhou um Tony, maior prêmio do teatro dos EUA, por The boy from Oz, em cartaz na Broadway (2003).
Ian McKellen
Além da carreira prolífica no cinema, dedicou-se a papéis clássicos como Macbeth, de Shakespeare, e Esperando Godot, de Samuel Beckett, cujo elenco contava com Patrick Wilson (X-Men).
Bryan Cranston
O ator (Walter White de Breaking Bad), foi indicado ao Oscar em 2016 por Trumbo, sobre o roteirista preso por ser comunista. Na Broadway, ganhou o Tony por All the way.
Pedro, que também trabalhou como preparador de elenco da série Fim do mundo, dirigida por Hilton Lacerda e Lírio Ferreira, identifica esse gargalo e aponta um momento difícil também para quem faz teatro. “Para mim, quem é de teatro vê muitos filmes, mas a recíproca não é verdadeira. Acho estúpida essa falta de diálogo, pois temos muito a lucrar com ele. Ao mesmo tempo, precisamos, como artistas, fazer uma autorreflexão. O teatro vive, no Recife, um momento de sombra. Como ter mais visibilidade? Isso é uma luta necessária”.
Outro ator que reclama da questão há anos é Samuel Santos, um dos fundadores do grupo de teatro O Poste Soluções Luminosas e ator há quase três décadas. “Já ouvi cineastas dizerem que não veem teatro pernambucano porque não os interessa. Vários deles associam o trabalho no palco a um exagero na linguagem. No entanto, no exterior, esse tipo de pensamento não existe. Cada linguagem tem sua forma específica, sim, mas sem praticarmos, fica mais difícil de surgirem mais nomes de excelência como Irandhir Santos e Hermila Guedes”.
Samuel, que participou em pequenos papéis de filmes como Amarelo Manga, de Claudio Assis, e o espanhol Yucatán, gravado no Recife no início do ano, reivindica um espaço maior para atores locais. Ao mesmo tempo, elege um cineasta para ilustrar como o intercâmbio entre profissionais de teatro e cinema pode ser mais produtivo. “Fiz um filme com Camilo Cavalcante (o curta Matarás) e foi muito rico. Antes, ele tinha receio de trabalhar com atores profissionais e, para nós, a linguagem do audiovisual era algo difícil de entender. Aos poucos, aprendemos juntos e chegamos a ganhar festivais com o trabalho”.
Marcos Castro, por sua vez, ilustra um terceiro lado da questão. O profissional trabalha com publicidade e cinema há 14 anos, nove deles como produtor de elenco. Seu trabalho é garimpar atores para ajudar diretores a escolher quem se enquadra melhor em cada perfil de personagem. Há quase dois anos, ele fundou a empresa Casa de Papel para deixar esse processo de escolha mais transparente. “Quis fazer um banco de atores, porque o mercado cresceu e eu precisava me profissionalizar. Tenho a ajuda de uma atriz, Nínive Caldas, para ir aos espetáculos e me ajudar a garimpar talentos. Sinto uma certa dificuldade dos atores locais de teatro em ir para os testes, pois acham que não adianta. Temos artistas incríveis e, às vezes, eles mesmos têm preconceito com cinema ou TV. Minha busca é justamente quebrar essa barreira”.
O respeito ao trabalho do ator, diz Marcos, é outra variável dessa equação que precisa ser rediscutida, especialmente nos processos de seleção. “Desde o ano passado, por exemplo, venho falando com diretores e produtores pernambucanos sobre a importância do cachê-teste. O valor serve como ajuda de custo para os atores. É o trabalho deles, então essa quantia é necessária”, completa.
O cineasta Lírio Ferreira, diretor de filmes como Baile perfumado, Árido movie e Sangue azul, prefere contemporizar, mas sem perder de vista as diferenças entre teatro e cinema. “Para mim, esse desconforto é novidade, mas, se existe para alguns, é preciso falar sobre isso. No teatro, mesmo pra falar uma coisa baixa, voce tem que se expressar de forma que todo mundo te perceba. O ponto de vista, o olhar é diferente. Tem gente que se adapta mais rápido e, como estamos produzindo muito em cinema e TV, e o momento é cada vez mais de utilizar uma mão de obra local. Eu sou espectador de teatro e reconheço a tradição pernambucana em ter excelentes atores”.
Lírio diz levar a experiência no audiovisual em consideração em certas situações. “Reconheço a necessidade de escalar pessoas novas, mas, em alguns filmes com tempo de preparação menor, recorro a atores mais experientes”.
E no teste?
O produtor de elenco Marcos Castro elenca algumas das questões que os atores precisam levar em conta ao fazer testes. “O teste é como uma entrevista de um trabalho que você gostaria muito de conseguir. A partir dele, por exemplo, os atores conseguem ter um material em vídeo e, muitas vezes, quem trabalha em teatro não tem isso. Passando ou não, ler, estudar, assistir a filmes e fazer cursos também é muito importante”. O profissional elenca quatro itens fundamentais: pontualidade, calma, domínio do texto que você recebeu previamente para o teste e usar roupas básicas, como jeans e camiseta. “Isso facilita a visualização do personagem para o diretor. Já vi vários atores perdendo papéis porque o que eles vestiam era muito espalhafatoso ou estava distante do que se pedia na obra”.
Pontos de vista
Os argumentos dos envolvidos sobre o assunto
DE UM LADO
Atores
- Falta de divulgação de testes oferecidos por filmes pernambucanos
- Diretores trabalham, muitas vezes, com os mesmos atores, não dando oportunidade a rostos novos
- Pouco interesse de diretores pernambucanos em ver apresentações teatrais para conhecer o trabalho de mais atores
Diretores
- Falta de cursos voltados para atuação no audiovisual no mercado artístico local
- Falta de experiência em audiovisual de atores locais
- Supostos cacoetes e exageros na linguagem de atores oriundos do teatro
Profissionais com a capacidade de transitar entre cinema, televisão e teatro são comuns no exterior. Muitos se destacam em campos distintos onde atuam
Hugh Jackman
O australiano, intérprete de Wolverine no cinema, é elogiado também por cantar e dançar. Ganhou um Tony, maior prêmio do teatro dos EUA, por The boy from Oz, em cartaz na Broadway (2003).
Ian McKellen
Além da carreira prolífica no cinema, dedicou-se a papéis clássicos como Macbeth, de Shakespeare, e Esperando Godot, de Samuel Beckett, cujo elenco contava com Patrick Wilson (X-Men).
Bryan Cranston
O ator (Walter White de Breaking Bad), foi indicado ao Oscar em 2016 por Trumbo, sobre o roteirista preso por ser comunista. Na Broadway, ganhou o Tony por All the way.