O amor nos tempos de Donald Trump
Em Muito além do inverno, Isabel Allende aborda o drama de refugiados às voltas com a vida nos EUA: "Sempre me senti estrangeira em qualquer lugar"
Publicação: 08/01/2018 03:00
No dia de hoje, Isabel Allende, de 75 anos, pretende cumprir tradição pessoal: iniciar um novo romance. A data é especial. Foi em um 8 de janeiro que ela começou a escrever a carta para o avô, no leito de morte, que se transformou no ponto de partida de A casa dos espíritos (1982), seu livro de estreia. “Espero ter um ambiente tranquilo para começar a escrita”, diz. O motivo é amoroso: Isabel namora o advogado Roger Cukras, que está de mudança para a casa dela, um pequeno apartamento onde foi viver depois de se separar, em 2015, de Willie Gordon, com quem viveu por 28 anos.
Para compensar a dor, Isabel deixou a confortável mansão que dividia com Gordon para viver no espaço reduzido, onde sentiu tranquilidade para escrever Muito além do inverno (294 páginas, R$ 42,90), editado no Brasil pela Record.
A solidão, unida à sensação de ainda se ver como estrangeira nos Estados Unidos, onde mora desde 1988, facilitou a criação da trama que envolve três personagens de meia-idade. A história começa com um acidente de trânsito. Richard Bowmaster, professor universitário de 60 anos, bate na traseira do carro de Evelyn Ortega, imigrante ilegal da Guatemala. O que seria um trivial incidente ganha maiores proporções quando Evelyn surge na casa do professor pedindo ajuda. É o início da jornada de dor e compaixão. “O livro tem uma inevitável carga política”, afirma Isabel, que vê a sociedade norte-americana sob um pesado inverno, representado pela tumultuada administração de Donald Trump, “um homem perigoso” como identificou na entrevista. (Agência Estado)
3 perguntas // Isabel Allende - escritora
Um tema importante deste novo livro, característico de sua obra, é a experiência de imigrantes em seus novos países.
Sim, é um tema que me interessa muito. Em Muito além do inverno, são três imigrantes com histórias muito poderosas. Richard, por exemplo, é filho de um sobrevivente do holocausto da Segunda Guerra Mundial. Por conta disso, ele passou por um inverno emocional semelhante ao que experimentei quando escrevi o romance. Ele não vive sob risco, mas não sente o sabor da existência. Evelyn, a menina da Guatemala, pela própria condição, prefere não ser vista. Por isso, vive em silêncio, como se não existisse. Finalmente, Lucía é a mais ativa, passou pelo exílio, enfrentou o cárcere e agora vive sozinha, aos 62 anos.
A senhora passou por situação semelhante, não?
Sim, vivi em dez países ao longo da minha vida, principalmente como exilada política. Sempre me senti estrangeira em qualquer lugar. Minha história tem um pouco do Chile, outro tanto dos Estados Unidos, por isso entendo o problema dos refugiados, com quem trabalhamos em minha fundação. Não tive problemas para criar a personagem Evelyn, porque recebemos refugiados como ela. Não precisei criar nada. Acolhemos jovens e crianças que buscam os pais, que não têm documentos. Não são uma massa uniforme, pois queremos ver o rosto de cada uma, conhecer suas histórias.
Como acompanhou as promessas de Trump de limitar a presença de imigrantes nos EUA?
É um homem perigoso, com promessas infundadas, como a criação do muro na fronteira do México, algo que não resolverá o problema. Mas esse, creio, é o menor dos males que ele pode causar - me preocupa essa tendência de provocar guerra mundial ao confrontar a Coreia do Norte. Confio na força da oposição para barrar esses desejos infundados de um fascista exacerbado, um homem que alimenta o ódio e a xenofobia, alguém que se transformou no megafone de grupos como a Ku Klux Klan que, antes dele, vivia escondida e, depois de sua posse, passou a se apresentar em público, sem medo de represálias.
Para compensar a dor, Isabel deixou a confortável mansão que dividia com Gordon para viver no espaço reduzido, onde sentiu tranquilidade para escrever Muito além do inverno (294 páginas, R$ 42,90), editado no Brasil pela Record.
A solidão, unida à sensação de ainda se ver como estrangeira nos Estados Unidos, onde mora desde 1988, facilitou a criação da trama que envolve três personagens de meia-idade. A história começa com um acidente de trânsito. Richard Bowmaster, professor universitário de 60 anos, bate na traseira do carro de Evelyn Ortega, imigrante ilegal da Guatemala. O que seria um trivial incidente ganha maiores proporções quando Evelyn surge na casa do professor pedindo ajuda. É o início da jornada de dor e compaixão. “O livro tem uma inevitável carga política”, afirma Isabel, que vê a sociedade norte-americana sob um pesado inverno, representado pela tumultuada administração de Donald Trump, “um homem perigoso” como identificou na entrevista. (Agência Estado)
3 perguntas // Isabel Allende - escritora
Um tema importante deste novo livro, característico de sua obra, é a experiência de imigrantes em seus novos países.
Sim, é um tema que me interessa muito. Em Muito além do inverno, são três imigrantes com histórias muito poderosas. Richard, por exemplo, é filho de um sobrevivente do holocausto da Segunda Guerra Mundial. Por conta disso, ele passou por um inverno emocional semelhante ao que experimentei quando escrevi o romance. Ele não vive sob risco, mas não sente o sabor da existência. Evelyn, a menina da Guatemala, pela própria condição, prefere não ser vista. Por isso, vive em silêncio, como se não existisse. Finalmente, Lucía é a mais ativa, passou pelo exílio, enfrentou o cárcere e agora vive sozinha, aos 62 anos.
A senhora passou por situação semelhante, não?
Sim, vivi em dez países ao longo da minha vida, principalmente como exilada política. Sempre me senti estrangeira em qualquer lugar. Minha história tem um pouco do Chile, outro tanto dos Estados Unidos, por isso entendo o problema dos refugiados, com quem trabalhamos em minha fundação. Não tive problemas para criar a personagem Evelyn, porque recebemos refugiados como ela. Não precisei criar nada. Acolhemos jovens e crianças que buscam os pais, que não têm documentos. Não são uma massa uniforme, pois queremos ver o rosto de cada uma, conhecer suas histórias.
Como acompanhou as promessas de Trump de limitar a presença de imigrantes nos EUA?
É um homem perigoso, com promessas infundadas, como a criação do muro na fronteira do México, algo que não resolverá o problema. Mas esse, creio, é o menor dos males que ele pode causar - me preocupa essa tendência de provocar guerra mundial ao confrontar a Coreia do Norte. Confio na força da oposição para barrar esses desejos infundados de um fascista exacerbado, um homem que alimenta o ódio e a xenofobia, alguém que se transformou no megafone de grupos como a Ku Klux Klan que, antes dele, vivia escondida e, depois de sua posse, passou a se apresentar em público, sem medo de represálias.