Uma nave espacial no Geraldão Especial sobre os grandes shows internacionais no Recife vai mais uma vez ao Ginásio de Esportes Geraldo Magalhães, para o show interplanetário da alemã Nina Hagen em 1985

EMANNUEL BENTO
emannuel.bento@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 05/09/2020 03:00

Durante um período de reclusão numa casa na praia de Malibu, em Los Angeles, a roqueira alemã Nina Hagen teve contato com um disco voador, em 1981. Segundo entrevistas da cantora e na canção UFO, a nave emitia raios de luz com cores fluorescentes, muito fortes, que se moviam ao redor do objeto rosa, turquesa e amarelo. Maravilhada, Nina sentiu uma energia nova e decidiu levar aquela experiência aos palcos. E foi assim, em um disco voador cenográfico, que o público pernambucano a viu chegar no palco do  Ginásio de Esportes Geraldo Magalhães, o Geraldão, em 18 de setembro de 1985.

A  figura de Nina Hagen parecia “interplanetária”: uma mulher nascida na Alemanha Oriental, musa do movimento punk, que se vestia com roupas, perucas e maquiagens extravagantes. O espetáculo futurista contou com equipe de 60 pessoas e 13 toneladas de equipamentos. O tal disco voador foi suspenso por um guindaste no Geraldão.

Filha de atriz e escritor, Nina Hagen construiu um senso político precocemente por ter o ativista Wolf Biermann como padrasto desde os 10 anos. Com temperamento anarquista que não combinava com a burocracia da Alemanha Oriental, ela começou a estudar canto lírico e interpretação. Em 1976, liderou um movimento pela volta do padrasto, impedido a retornar ao país após uma viagem. Conseguiu um visto para atravessar o muro e assinou contrato com a gravadora CBS. Inquieta, ela viajava constantemente para Londres, onde brotava o movimento punk. Na década de 1980, já mundialmente famosa, Nina Hagen se muda para os EUA e conquista o mercado mais cobiçado do mundo.

A vinda dialoga com um contexto de abertura do Brasil para mais artistas estrangeiros, tendo como consolidação o Rock in Rio, em 1985. Foi justamente nesse festival que ela fez sua estreia no país, com um show que arrebatou o público e conquistou a imprensa. Pernambuco, mesmo que timidamente, também começava a entrar numa rota gringa com Jimmy Cliff (1980), Rick Wakeman (1981) e Menudo (1985). Essa atmosfera fez com que o superintendente do Geraldão, Eduardo Cavalcanti, assinasse um contrato com o empresário Sandro Samelli, representante da Latitude Promoções, responsável pela vinda da alemã.

A chegada no Aeroporto dos Guararapes, na tarde de 17 de setembro, foi acompanhada por cerca de 100 de jovens eufóricos para uma Nina não tão receptiva. Ela se hospedou no Hotel 4 Rodas, em Olinda. Os ingressos do show foram vendidos por CR$ 25 mil (arquibancada) e CR$ 50 mil cruzeiros (cadeira).

O jornalista pernambucano radicado em São Paulo João Luiz Vieira, 50, tinha 15 anos na época. “Eu morava na Imbiribeira e fui andando até o Geraldão. Cheguei quando abriram as portas, às 15h. Fiquei posicionado embaixo do microfone e na hora do show ela olhou para mim, eu mandei um beijo e ela retribuiu. Consegui ver até as obturações da arcada dentária dela. Só saí de lá quando realmente percebi que não haveria mais nada.”

João lembra de um ginásio lotado, mas a repercussão do Diario, através do colunista Paulo Fernando Craveiro, apontou que o show foi pouco rentável, rendendo CR$ 149 milhões no Recife, dinheiro pago por 3,9 mil pessoas. “Esperava-se público de 15 mil espectadores e renda de CR$ 525 milhões. A Latitude Promoções deve estar amargando prejuízo”, comentou Craveiro.

“O show, que em nenhum momento contagiou o público, começou com 70 minutos de atraso e se destacou por dois fatos não musicais: a cavalgada que a cantora deu nas costas do baterista do conjunto e a simulação de que masturbava a língua do ursinho de pelúcia que conduz numa pequena bolsa estrategicamente colocada sobre a região do púbis. Os que louvaram o show destacaram a expressiva interpretação de New York, New York.” Apesar da crítica contumaz, Craveiro registrou: “A roqueira integra os ácidos dias contemporâneos. Impossível dissociá-la de uma sociedade enferma pela crise. É preciso protestar. Suba-se ao palco. Que se faça careta e que se berre.”