Mente quieta e o coração tranquilo
Com 250 mil praticantes no Brasil, o budismo ganha reforço em Pernambuco com salas no Recife e retiro em Timbaúba
THATIANA PIMENTEL
thatiana.pimentel@diariodepernambuco.com.br
Publicação: 25/02/2017 03:00
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Mestre: Alfredo Aveline trocou estudos da física quântica para se tornar Lama Padma Samten |
“Quando eu encontrei o budismo, eu encontrei esse aspecto extraordinário de compreender que o mundo aparente é inseparável do mundo interno. Sou um cientista e vi que a minha perspectiva era muito grosseira, porque eu não conseguia explicar minha própria mente. Pensava no mundo de forma objetiva. O budismo, então, me deu ferramentas para entender o cenário dentro do qual os pensamentos se formam”.
Com essas frases, o físico Alfredo Aveline, mestre em física quântica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), resume sua relação com o budismo hoje. Mais conhecido como Lama Padma Samten, o também mestre budista é a maior referência atual da religião no Brasil e vem propagando os ensinamentos em visitas frequentes a Pernambuco, onde costuma receber milhares de pessoas em palestras e retiros.
Em Viamão, Rio Grande do Sul, onde reside, está situada a sede do Instituto Caminho do Meio – Centro de Estudos Budistas Bodisatva (CEBB), entidade que dirige e que fundou em 1986. Seu trabalho está voltado à orientação através do estudo, da prática de meditação, de retiros para o auxílio na compreensão da espiritualidade e da cultura de paz dos ensinamentos de Buda.
Hoje, já há CEBBs espalhados em 18 estados brasileiros, incluindo Pernambuco, onde há salas no bairros recifenses das Graças, Boa Vista, Boa Viagem, Encruzilhada e Torre e o segundo centro rural para retiros fundado após a sede, o Darmata, em Timbaúba. “Nos centros, acreditamos em um trabalho mais natural, buscamos ajudar as pessoas para que elas entendam a natureza livre da mente. Não existem receitas, mas o budismo nos ajuda a viver melhor nossas próprias vidas e isso é extremamente bem-vindo neste tempo agora, tempo de muitos desafios, onde temos que pensar de forma mais livre”, explica.
Além disso, os livros publicados pelo Lama – A joia dos desejos, Meditando a vida, O Lama e o economista, Relações & conflitos, Mandala do lótus e A roda da vida – são referências de estudo da prática budista em todo o país. Em sua última visita ao estado para palestrar, o Lama Padma Samten conversou com o Diario sobre os principais temas da prática espiritual. Veja a explicação do mestre sobre os conceitos no quadro ao lado.
Os conceitos do budismo
Mente
A mente não precisa nem se manifestar através dos pensamentos, ela tem uma presença natural. A ideia do budismo é usarmos a mente como um veículo para a liberação da própria mente. Não seria justo a gente dizer que a gente busca ampliação da mente, porque a mente já é ampla. Mas a mente está aprisionada dentro de cenários. Queremos liberar a mente desses cenários. Há algo maior.
Paciência
Ter paciência precisa, em primeiro lugar, de motivação. Quem vive com paciência vence. Paciência é inseparável de motivação. Eu vou andando naquela direção e se eu mantenho a motivação, posso até andar para trás mas continuo naquela direção. O oposto da paciência é a dispersão e não necessariamente a impaciência. Com o outro, temos que ter paciência, mas nossa energia não pode vir do outro. Temos que ser autonutridos disso.
Impermanência
A percepção da impermanência nos produz medo porque estamos fixados dentro das bolhas, que nos ajudam a criar uma identidade e isso nos dá uma sensação de solidez. Como a impermanência pode afetar todas as circunstâncias, vai nos perturbar. Quando estamos aprisionados em situações aflitivas, o final de um casamento, por exemplo, pensamos que é permanente, então tendemos a ficar mergulhados nisso. Mas passa.
Meditação
Meditação é motivação, energia e paciência. Ninguém consegue ficar parado sem nenhum propósito. Nós treinamos nossa energia. A energia é autônoma, ela não vem de um obstáculo, não vem de uma coisa que nos seduz. Vem da ausência de qualquer coisa, não se manifesta a partir de características. Isso somos nós, o aspecto mais profundo de nós é a ausência. O resto é transitório e não podemos estabilizar nossa energia sobre as coisas e pessoas.
Felicidade
Esse ponto conecta as relações. No budismo não aprovamos relações baseadas na carência. O ideal é que você seja feliz sozinho. Todos os seres podem contribuir para isso e você pode contribuir com todos. As relações de carência levam as pessoas a ficarem mal sem o outro e isso não é saudável. O melhor é estar junto sem dependência, estar junto porque é mais benéfico para todos e eles se ajudam.
Como meditar
Você quer meditar, então faça assim, pare e não pense. “Eu não consigo, os pensamentos são incessantes”. Essa observação dos pensamentos, isso é lucidez, os pensamentos se movendo, isso é movimento, se você não entrar no conteúdo do pensamento, isso é estabilidade. A meditação é a união do movimento, com a lucidez e com a estabilidade. A questão é chegar ao local que não se é tocado pelos pensamentos.
Amor
O amor não tem contraindicações, mas o amor com apego, ele produz problemas. No budismo, o amor é amplo, ele pressupõe nossa capacidade de ver qualidades no outro. Na relação, isso pode ser um problema, porque podemos ver qualidade em todos os seres. O amor oscila entre o processo direcional e o processo amplo. Quando uma relação termina, devemos voltar a visão ampla e quando optarmos, direcional.
Identidades
Nós não somos as identidades e nem o jogo que está sendo jogado nesta identidade. Você não é só sua profissão. A meditação lhe ajuda a se ver além desse cenário. A ver quem constrói. A mente que está dentro do jogo, no dia a dia da profissão, pode não ter os recursos para lidar com o próprio jogo. Por isso precisamos meditar, para nos ver além. Não sermos condicionados por nossos trabalhos ou outras identidades menores. Precisamos do maior.
Sexo
No budismo, o aspecto sexual das relações é secundário. Ele não é o centro. Quando o amor inclui a inteligência do próprio corpo, aí ele funciona. Não existe um padrão. O amor não tem que ser apenas desse ou daquele jeito. Quando a pessoa contempla esse aspecto sexual descobre que dentro de si existe uma inteligência sexual. Acredito que estamos hoje afastados do corpo, mesmo que pareça o contrário, e começam a surgir as distorções.
Libertação
Osho certa vez contou a seguinte história: Um rei precisava de um novo primeiro-ministro e selecionou pessoas de vários tipos de sabedoria e colocou todos numa sala. Trancou a porta e disse que quem conseguisse destrancar seria o escolhido. Todos fizeram cálculos, mas tinha um lá que foi e abriu a porta. A porta estava aberta. A mente nos prende às regras, precisamos ver além da limitação, além do jogo, para pensar diferente.
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Aprendizado de muitas vidas