A rota para a liberdade De Genebra a Juiz de Fora, os 48 refugiados judeus da lista de Görgen passaram por momentos de angústia e medo até chegar ao Brasil

Marcelo da Fonseca
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Publicação: 30/11/2014 03:00

Em 27 de abril de 1941, 48 exilados — sendo 30 homens, 15 mulheres e três crianças — deixaram o porto de Lisboa, em Portugal, no navio espanhol Cabo de Hornos, fugindo da implacável perseguição nazista. Não havia outra opção. Era fugir ou morrer nos campos de concentração e extermínio que já se espalhavam pelo continente europeu àquela altura da Segunda Guerra Mundial. Formado por “não arianos”— segundo a doutrina nazista —, o grupo era constituído por judeus e perseguidos políticos de pelo menos três países (Alemanha, Tchecoslováquia e França), que deixaram para trás familiares e bens conquistados ao longo de suas vidas. O destino era Juiz de Fora, então uma pequena cidade do interior de Minas Gerais, da qual nenhum deles tinha ouvido falar. O lugar significava a salvação para os refugiados e a expectativa de uma nova vida, bem distante do cenário de horror arquitetado por Adolf Hitler.

A vida dessas 48 pessoas foi salva pelo historiador alemão Hermann Mathias Görgen. Oposicionista ferrenho do partido nazista, ele foi expulso de sua terra natal e obrigado a procurar um novo lar, distante da Europa. Nesse período de busca, percebeu que milhares de pessoas se encontravam na mesma situação de risco e se empenhou para dar a algumas delas uma chance de sobrevivência. Depois de fugir por três países europeus (Áustria, Tchecoslováquia e Suíça), ele conheceu o cônsul brasileiro na Suíça, Milton Vieira, que o ajudou a deixar de vez a Europa. A maneira encontrada para alicerçar a fuga foi a construção de uma pequena indústria de manufaturados no Brasil.
No seu plano, essa fábrica seria operada por mão de obra qualificada estrangeira, o que se tornaria justificativa para conseguir do governo brasileiro o visto de entrada para os perseguidos. Foi assim que ele montou uma lista com os nome dos seus 48 “operários” que receberiam a permissão para entrar no país — e escapar da morte.

A elaboração da lista foi semelhante ao plano arquitetado pelo industrial alemão Oskar Schindler, que conseguiu salvar mais de mil judeus dos campos de concentração nazistas durante a Segunda Guerra e se tornou mundialmente conhecido com o filme A lista de Schindler, dirigido por Steven Spielberg. Ao contrário de Schindler, no entanto, a história de Görgen e sua mobilização para salvar a vida de refugiados judeus são quase desconhecidas, mesmo no Brasil, e está restrita aos que conseguiram reconstruir suas vidas no país e àqueles que tiveram contato com o professor alemão. Da lista, poucos hoje estão vivos, incluindo a própria mulher de Görgen. Viúva do professor, morto em 1994, Dora Schindel completou 99 anos na semana passada, em 16 de novembro, e vive hoje em Bonn, cidade a cerca de 500 quilômetros de Berlim.

Distância
Quase 10 mil quilômetros e dois países (França e Espanha), com forte presença de oficiais alemães prontos para prender refugiados judeus e deportá-los rumo a campos de concentração, separavam a cidade suíça de Genebra — onde se reuniu o grupo de exilados liderados por Hermann Görgen para escapar da perseguição nazista — e Juiz de Fora, na Zona da Mata de Minas Gerais. O caminho dos 48 perseguidos que procuravam um lugar seguro, distante dos horrores da Europa durante a Segunda Guerra, foi marcado por angústia e tensão. A captura durante a fuga poderia significar o fim do sonho de liberdade.

O grupo de exilados judeus e perseguidos políticos contou com a ajuda do historiador e filósofo alemão para escapar da morte quase certa nas mãos do regime nazista.
O primeiro desafio de Görgen para ajudar as pessoas que foram incluídas em sua lista era conseguir documentos necessários para que os refugiados pudessem viajar sem ser presos pela Gestapo, polícia secreta alemã, ou por militares de governos aliados aos nazistas. Como 38 dos 48 nomes de sua lista tinham a letra “J”, de judeu, carimbada em seus passaportes, a entrada em vários países seria impedida. Foi preciso então conseguir passaportes de outros países, alguns com nomes falsos. A maioria dos documentos foi feita na Tchecoslováquia.