Só 20% da população carcerária trabalham

Publicação: 21/01/2017 03:00

Construir presídios e prender mais pessoas em uma nação que tem a quarta maior população carcerária do mundo não é a solução, defendem especialistas. O diagnóstico se baseia em uma das principais falhas do sistema: a reincidência criminal. De cada quatro detentos que saem da prisão, um volta a cometer crimes no prazo de cinco anos, mostra levantamento do Ipea. Isso significa que, dos 622 mil detentos cadastrados no Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), 155,5 mil devem reincidir, o que colabora, e muito, para o inchaço do sistema penitenciário.

Entre as políticas que poderiam mudar o quadro, a professora de direito da Fundação Getulio Vargas (FGV) Maíra Zapater, pesquisadora do Núcleo de Estudos sobre o Crime e a Pena, ressalta a promoção de estudo e trabalho dentro dos presídios, medida já prevista pela Lei de Execução Penal desde 1984, mas pouco praticada. As atividades laborais estão associadas à remissão da pena — cada três dias trabalhados significa um a menos na prisão. Além disso, o salário do detento é usado, por força de lei, para pagar o custo que o Estado tem com ele e para indenização da vítima. Dessa forma, além de contribuir e diminuir a pena, ele tem menos motivos para reincidir no crime, o que ajuda a desinchar o sistema.

Apesar das vantagens, apenas 20% da população prisional trabalha, o que representa pouco mais de 115 mil pessoas em todo o país, de acordo com dados do Infopen. Além disso, um terço delas (38 mil) atua como apoio à unidade prisional, em atividades como limpeza e alimentação, a maioria de forma não remunerada. “Isso sequer poderia existir, porque o salário é um direito garantido. Estudamos muito como prender uma pessoa, mas poucos sabem como ela deve cumprir a pena legalmente”, critica Maíra Zapater, ressaltando que, por lei, a remuneração do trabalho prisional não pode ser inferior a três quartos do salário mínimo.

Do ponto de vista do empregador, as vantagens são muitas: mão de obra abundante e disponível, facilidade para substituir os funcionários, custo baixo de despesas como locação de imóvel, água e luz. Além disso, o serviço não tem vínculo empregatício, pois não é regido pela Consolidação das Leis do Trabalhos (CLT).

Empresários que recorrem a esse tipo de mão de obra não costumam se arrepender, garante Nery do Brasil, diretor-executivo da Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso (Funap) do Distrito Federal, que inseriu no mercado cerca de 1,3 mil detentos em 2016. “A maioria dos detentos dá muito valor a esses empregos, por entender que é a última oportunidade”, garante Nery.

DIFICULDADES
Como exemplo, ele cita um dos melhores funcionários da Funap: um detento que cumpre pena em regime semiaberto por tráfico de drogas. Arthur Pereira, 29 anos, só vai recuperar a liberdade em 2023, após 11 anos e quatro meses de detenção. “Esse trabalho mudou minha vida. Durante o jornada, até esqueço que estou preso”, conta. “Quando fui preso, não tinha perspectiva de nada, era envolvido só com crime, que era o que eu conhecia. Eu me interessei por esse trabalho por causa da minha família, e hoje não troco por nada. Se não tivesse tido essa oportunidade, eu estaria no tráfico de drogas.” (Do Correio Braziliense)

Preconceito
Conseguir um emprego depois de cumprir pena é um dos principais desafios dos egressos do sistema prisional. Um dos obstáculos para conseguir ressocializar os detentos é o estigma que eles sofrem ao sair da prisão, afirma o professor de direito penal André Mendes, da Fundação Getulio Vargas (FGV). “A dificuldade de reinserção no mercado responde por uma série de variáveis, e o preconceito social é grande parte disso”, diz. A ONG Afroreggae, no Rio de Janeiro, criou uma agência de trabalho para ex-detentos, chamada Segunda Chance, que atendeu 11 mil candidatos desde 2010. “Em geral, os egressos se esforçam para dar o melhor deles, porque servem de exemplo a outras pessoas”, explica João Paulo Garcia, coordenador da agência. “Problemas acontecem, mas egressos dão menos problemas que os outros funcionários, porque já conheceram o outro lado, e não querem voltar. A porta do crime está sempre escancarada”, diz Garcia. Hoje, o projeto tem parceria com 30 empresas.

Contratos vigentes com o Departamento de Penitenciário Nacional (Depen), estabelecidos entre 2012 e 2015
  • Acre, Amazonas, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Paraíba, Paraná, Roraima, Rondônia, Sergipe, Santa Catarina: 1 cada
  • Piauí: 2
  • Minas Gerais: 16
  • São Paulo: 26
Trabalho entre grades
  • 20% da população carcerária do Brasil trabalham
Evolução
Presidiários trabalhando
  • 2008 85 mil
  • 2009 95 mil
  • 2010 98 mil
  • 2011 110 mil
  • 2012 112 mil
  • 2013 120 mil
  • 2014 115 mil
    - Desse número, 38 mil atuam como apoio à unidade prisional, em atividades como limpeza, a maioria não remunerada
    - Os outros 77 mil trabalham em empresas privadas conveniadas ou no governo
  • 78% das prisões não têm espaço para oficinas de trabalho
  • Atualmente, há 9 presos para cada funcionário no sistema carcerário brasileiro.
  • 5 para cada preso o ideal
Pelo Brasil
A percentagem de internos do sistema prisional que trabalham varia de acordo com o estado

% do total de presos
Pernambuco                                        11
Maranhão                                           14
Piauí                                                    20
Ceará                                                   8
Rio Grande do Norte                               3   
Alagoas                                               14
Sergipe                                                 6
Bahia                                                    16
Espírito Santo                                   14
Minas Gerais                                     15
Rio de Janeiro                                    6
São Paulo                                          25 
Paraná                                                27
Santa Catarina                                32
Rio Grande do Sul                          31
Mato Grosso do Sul                       37
Mato Grosso                                     25
Goiás                                                   15
Distrito Federal                                15
Tocantins                                           18
Rondônia                                           30
Amazonas                                         14
Acre                                                     15
Pará                                                       9
Roraima                                              14
Amapá                                                35
Fonte: Ministério da Justiça