Água não dá trégua no Rio Grande do Sul O sol até voltou a aparecer ontem, mas as enchentes estão longe de escoar na maior tragédia climática que atingiu 385 cidades do estado

Publicação: 07/05/2024 03:00

Parou de chover, mas a água ainda inunda Porto Alegre e centenas de outras cidades do Rio Grande do Sul, enquanto aumenta a preocupação com o desabastecimento de água e alimentos, em meio à pior catástrofe climática na região. Segundo balanço da Defesa Civil, a tragédia já deixou 85 mortos, 339 feridos e 134 desaparecidos. Além disso, 201 mil pessoas tiveram que abandonar suas casas devido às chuvas torrenciais que provocaram o aumento do leito dos rios e causaram deslizamentos de terra. As chuvas já afetaram 1.178.226 gaúchos de alguma forma.

A catástrofe multiplica as cenas de desespero. Centenas de moradores de Porto Alegre, de 1,4 milhão de habitantes, dedicavam-se a ajudar pessoas presas em suas casas, em alguns casos, há dias.

No bairro de São João, os barcos chegavam às dezenas, mas os moradores temem que eles sejam insuficientes. Uma centena de pessoas aguardava o resgate presas em um prédio. “Temos que resgatá-los e levá-los para algum abrigo”, disse o funcionário público e voluntário Andrey Rocha, de 36 anos.

O fenômeno meteorológico que resultou em volumes de chuva históricos e transformou as ruas em rios foi atribuído por especialistas e pelo governo federal às mudanças climáticas.

O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB-RS), descreveu a situação como “um cenário de guerra”.  “É um cenário de guerra no estado. E como um cenário de guerra, vai ter que ter também um tratamento do pós-guerra”, disse.

O rio Guaíba, que divide a cidade, chegava a 5,26 metros na tarde de ontem, acima do recorde de 4,76 metros registrado durante as inundações históricas de 1941. Pelo menos até a semana que vem, seu nível se manterá acima do limite de inundação, segundo o Serviço Geológico do Brasil.

A tragédia atingiu 385 das 497 cidades e povoados gaúchos, uma vasta região agrícola, com uma população de 11 milhões de habitantes. Muitos permanecem isolados, sem comunicação nem serviços básicos. O tráfego em cerca de 200 estradas e rodovias foi interrompido depois que as águas arrastaram pontes e vias.

O aeroporto ficará fechado por tempo indeterminado. A água chegou às escadas rolantes dentro do prédio.

O governo precisou desligar o sistema de processamento de dados estaduais. A medida foi tomada para evitar um colapso da rede após a sede do Procergs (Centro de Tecnologia da Informação e Comunicação S.A) ser inundada. A água atingiu o quadro elétrico, no-breaks e geradores.

Militares, bombeiros e voluntários continuam trabalhando contra o relógio em tarefas de resgate com helicópteros, barcos, botes e retroescavadeiras. Quase 14 mil soldados foram mobilizados.

As autoridades estão preocupadas com o desabastecimento de água e alimentos. Mais de dois terços de Porto Alegre está sem fornecimento de água potável, levando ao decreto de racionamento, que autoriza seu uso apenas para consumo essencial.

“Não estamos encontrando quase nada no mercado. Já faz três dias que estamos sem água”, contou Neucir Carmo, de 62 anos, morador do bairro Floresta.

O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) alertou para novas tempestades de grande perigo em áreas do sul do estado, com chuvas de até mais de 100 mm, ventos e, possivelmente, granizo, até o meio-dia de hoje. Nas áreas mais afetadas, a chuva pode voltar amanhã.

A Organização Meteorológica Mundial enfatizou em um comunicado que “o desastre no Brasil, assim como as inundações em curso na África Oriental, destacam a necessidade de uma resposta mais integrada ao El Niño e aos efeitos das mudanças climáticas”.

Doações

O governo do Rio Grande do Sul informou que recebeu doações de todo o país e que arrecadou cerca de R$ 38 milhões.

O Uruguai enviou um helicóptero militar e a Argentina colocou à disposição aeronaves, especialistas e equipamento para tornar a água potável.

A Confederação Brasileira de Futebol, em conjunto com federações, clubes e jogadores da seleção, lançou na internet uma campanha de arrecadação. Vários artistas também fizeram o mesmo.

Na central logística da Defesa Civil e em centros esportivos de Porto Alegre, assim como em pontos fora do estado, doações se acumulavam para serem distribuídas. (Da Redação com agências)