CARNAVAL 2025 » Aplausos na Sapucaí e ataques no resto do ano As religiões de matriz africana que serão homenageadas pelas escolas de samba este ano são alvos de crescentes ataques de intolerância e vandalismo pelo Brasil

AGÊNCIA FRANCE PRESS

Publicação: 01/03/2025 03:00

Orixás serão reverenciados durante o desfile da Imperatriz Leopoldinense (MAURO PIMENTEL/AFP)
Orixás serão reverenciados durante o desfile da Imperatriz Leopoldinense

No barracão da escola de samba Imperatriz Leopoldinense, Leandro Vieira supervisiona os preparativos para seu desfile do Carnaval do Rio, que exaltará a riqueza espiritual do candomblé, uma das principais religiões afro-brasileiras. A poucos quilômetros de distância, no bairro do Maracanã, “mãe” Fernanda, sacerdotisa de umbanda, outro desses cultos, recolhe entre lágrimas os destroços de seu terreiro, vandalizado.

Ela o encontrou em ruínas: ventiladores arrancados, equipamentos roubados, elementos sagrados destruídos. No chão, entre os restos da imagem de Oxum, a deusa do amor, os autores do ataque deixaram uma Bíblia.

Oxum e outros orixás, divindades africanas, serão homenageados pela maioria das 12 escolas de samba que competirão de domingo a terça-feira no Sambódromo da Marquês de Sapucaí. Milhares de espectadores aplaudirão os desfiles com esses mitos e rituais surgidos com a chegada de cinco milhões de escravos traficados para o Brasil.

PATRIMÔNIO
“Um país que tem o desfile das escolas de samba como um patrimônio artístico de valor incalculável e que vende para o mundo a escola de samba como um recorte da cultura brasileira, mas olha para as religiões de matriz africana com distinção”, diz à AFP Vieira, diretor artístico da Imperatriz, de 41 anos.

“Isso prova que a sociedade brasileira compreende mal a contribuição estética, artística, social e narrativa que é a cultura preta”, lamenta. “As pessoas aceitam o carnaval, o carnaval é lindo, mas a gente sofre muito preconceito”, afirma Fernanda Marques Franco dos Anjos, advogada de 42 anos e mãe de santo do terreiro Caboclo Pena Dourada. “No nosso dia a dia, a realidade é essa: nós estamos sendo calados, destruídos.”

ATAQUES
Os atos contra a liberdade religiosa aumentaram 81% no Brasil entre 2023 e 2024, segundo dados oficiais. Com quase o triplo de agressões de um ano para o outro, os mais afetados foram fiéis de umbanda e candomblé, cujos cultos às vezes são erroneamente associados a práticas de bruxaria ou satanismo. Além dessa “demonização”, sofrem chacotas, ofensas, intimidação, agressões físicas e danos materiais, segundo o Observatório das Liberdades Religiosas (OLR).

“A violência sempre foi praticada em relação às religiões de matriz africana”, aponta Christina Vital, professora de pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal Fluminense (UFF). “Reconhece-se sua importância artística e cultural, mas isso não é suficiente para transpor os motivos que estruturam o racismo e a intolerância”, diz Vital.