Servidão por dívida no país atinge 1,5 milhão IBGE diz que situação cria entre brasileiros trabalho análogo à escravidão, de acordo com OIT

Publicação: 27/04/2017 03:00

O Brasil tinha cerca de 1,5 milhão de pessoas impedidas de deixar os empregos em que trabalhavam por possuírem algum tipo de dívida com seus empregadores. Essa é uma das características que define o trabalho análogo à escravidão, a servidão por dívida, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Os dados foram levantados pela primeira vez na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - Aspectos das Relações de Trabalho e Sindicalização 2015, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ontem.

Entre os 51,7 milhões de empregados no setor privado ou alocados como trabalhadores domésticos, 2,9% tinham algum débito financeiro com o empregador que impediam de deixar o trabalho. “Ou seja, ele teve a liberdade dele cerceada em função de ter um débito no trabalho”, ressaltou Cimar Azeredo, coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE. “Ele não pode sair do trabalho porque está com algum tipo de dívida lá, seja com aluguel, alimentação, transporte”, completou.

A servidão por dívida foi mais frequente entre os trabalhadores contratados através de uma pessoa, uma cooperativa ou uma empresa intermediária: 4,3%. Entre os trabalhadores que eram contratados de forma direta, o porcentual nessas condições era mais baixo: 2,5%. “O porcentual de pessoas com débito no contrato de trabalho intermediário é maior”, disse o coordenador do IBGE.

Ele ressaltou que, na contratação direta, “a qualidade do emprego se dá de forma mais favorável”. “O vínculo direto costuma ser melhor para o empregado. Em função da própria relação, da ocorrência de informalidade, de condições para promoção, para receber direitos, benefícios. Quando o contrato é feito de forma direta traz uma relação melhor para o trabalhador”, avaliou Azeredo.

Entre os empregados no setor privado ou empregados domésticos ocupados, 18,9% eram contratados através de um indivíduo, cooperativa ou empresa intermediária, o equivalente a 9,8 milhões de pessoas nessa condição. “A terceirização está aqui dentro, mas não é tudo isso. A contratação se deu de forma intermediária”, definiu ele.

O levantamento, feito em parceria com o Ministério do Trabalho e com a OIT, incluiu informações de aproximadamente 25 mil pessoas em todo o território brasileiro na semana de referência da Pnad, a última semana de setembro de 2015.

Jornada e salário

A pesquisa indica ainda que o trabalhador brasileiro está satisfeito com sua jornada de trabalho e com o salário recebido. O nível de satisfação é maior entre homens brancos com ensino superior, mais de 50 anos de idade e que ganham mais de cinco salários mínimos. Profissionais contratados diretamente também tendem a estar mais satisfeitos do que aqueles contratados por intermediação - situação em que se encaixam terceirizados, cooperativas e agenciados, por exemplo.

No questionário, o IBGE perguntou o nível de satisfação do trabalhador em relação a oito pontos: nível de salário, valor do auxílio-alimentação, jornada de trabalho, capacitação profissional, promoção de igualdade de oportunidade e tratamento, salubridade e segurança e benefícios sociais complementares. As mulheres se dizem mais satisfeitas que os homens em três itens apenas (flexibilidade no horário, promoção de igualdade de oportunidade e tratamento, e salubridade e segurança no trabalho).

Trabalhadores de contratação intermediária fazem avaliação semelhante. Entre eles, o nível de satisfação supera o daqueles contratados diretamente em relação à salubridade e à promoção de igualdade, tal como entre as mulheres. Mas, diferentemente delas, eles também se dizem mais satisfeitos com o salário recebido e estão tão satisfeitos quanto os contratados diretamente em relação à jornada.

No recorte por raça, brancos se declaram mais satisfeitos que pretos e pardos em todos os quesitos. A parcela de satisfeitos e muito satisfeitos com o nível de salário, complementos e gratificações recebido é de 60% dos trabalhadores. Entre pretos e pardos, é de 56,6%.

Na contramão da reforma trabalhista, que propõe liberar a negociação de jornadas de trabalho diferentes do estabelecido na CLT, a maioria dos empregados diz estar satisfeito com sua rotina atual. Cerca de um quarto se disse insatisfeito ou indiferente. (Da redação com agências)

Pesquisa

Débitos com empregadores

  • 948 miltinham débito relacionado com alimentação
  • 774 mil declaram alguma dívida com transporte
  • 373 mil reportaram dívida com instrumento de trabalho
  • 266 mil têm dívida com aluguel
  • 156 mil possuem outro tipo de débito
Mais satisfeitos
  • 75,5% dos profissionais que trabalham de 15 a 39 horas semanais
  • 74,6% dos trabalhadores de jornada de 40 a 44 horas semanais
Mais insatisfeitos
  • 59,7% dos que tem uma jornada de 49 horas ou mais
Sindicalização
  • 19,5% dos trabalhadores ocupados são sindicalizados
Fonte: IBGE