Da admiração ao asco Trump completa um ano na Casa Branca enfrentando protestos e vê seu nome envolvido em escândalos

Andrew Beatty
Agência France-Presse

Publicação: 20/01/2018 03:00

O primeiro ano de Donald Trump na Casa Branca esteve marcado por escândalos, polêmicas e uma polarização que transformou profundamente a forma como os norte-americanos se relacionam com seu presidente. “Bem-vindos ao estúdio”, disse Trump com um sorriso ao convidar jornalistas credenciados na Casa Branca a entrar no Salão do Gabinete para repassar seu primeiro ano como presidente dos Estados Unidos. Desde 20 de janeiro de 2017, o mundo acompanha com paixão - e também com espanto - o notável espetáculo que significa Trump na Casa Branca.

Na realidade, mais do que qualquer iniciativa ou política, o que cativou e em alguns momentos causou asco na opinião pública do mundo é o estilo de seu desempenho. “A retórica de Trump não parece com a de nenhum outro presidente da história moderna”, disse o professor Richard Vatz, da Universidade Towson que se especializa na comunicação dos presidentes norte-americanos. Para Vatz, Trump “se comunica de forma mais frequente e está menos preocupado com as consequências de sua linguagem do que qualquer outro presidente da nossa era”.

Na Casa Branca, Trump se definiu como um “gênio muito estável”, chamou de “países de merda” as nações de onde vêm muitos imigrantes que chegam aos Estados Unidos e mentiu repetidamente sobre praticamente qualquer coisa - do tamanho da multidão no dia de sua posse até as ações de seus adversários. Muitos presidentes norte-americanos buscaram formas de eludir a imprensa crítica, desde as conversas de Franklin Roosevelt até as entrevistas de Barack Obama com ativistas do YouTube. Nada se compara, porém, com o uso que Trump faz, ainda como presidente, da rede social Twitter.

Comunicação constante
Desde que chegou à Presidência, raramente passou um dia fora das manchetes dos jornais graças às suas constantes diatribes, críticas e elogios sobre quase qualquer aspecto da vida pública. Frases e expressões típicas de sua retórica - como “andam dizendo que...” - já fazem parte da fala cotidiana de muitos norte-americanos. Acima de tudo, seus seguidores admiram a brutalidade de seu estilo direto e assertivo, enquanto seus opositores sofrem espasmos de raiva com a imoralidade, real ou percebida, de cada um de seus comentários.

Homem típico do mundo do espetáculo, em geral discute sua audiência e a cobertura da imprensa mais do que qualquer outro assunto. Para Aaron David Miller, ex-negociador para o Oriente Médio, um dos problemas centrais é que existe uma brecha entre as palavras do presidente e a realidade tal como é vista pelo restante do mundo. “A pergunta fundamental para nossos aliados e adversários é: quão confiável e verossímil é o presidente? Realmente pensa no que diz e diz o que pensa?”, assinalou Miller.

Como presidente, já publicou cerca de 180 vezes sobre o que considera “notícias falsas” e em outras 170 oportunidades a favor da emissora FoxNews, a única que lhe faz diariamente emocionados e entusiasmados elogios. Aos 71 anos, em alguns momentos parece mais confortável representando na televisão o papel de presidente do que efetivamente agindo como tal. E, enquanto a maioria dos que aspiram à Presidência busca inicialmente se dirigir a sua base e depois tenta aumentar sua legião de seguidores, Trump se mantém fiel a sua base original, sem - aparentemente - se importar com como suas declarações são percebidas por aqueles que estão distantes de seu grupo de apoio.

Convicções questionadas
Segundo a Casa Branca, o último ano foi um festival intenso de grandes conquistas legislativas e registrou um crescimento sem pausa nos mercados financeiros, com direito a recordes em Wall Street após a aprovação de uma reforma de impostos favorável às empresas. No entanto, este primeiro ano de Trump questiona duas velhas convicções que permitiram sua chegada à Casa Branca: que os empresários são mais competentes do que os burocratas e que os políticos agem apenas em função do autointeresse.

Nesse cenário, a Casa Branca se mostrou boa parte do último ano como um ninho de cobras, no qual os “globalistas” vazavam para a imprensa informações comprometedoras para os “populistas” e vice-versa. E ambos os grupos atuando contra o presidente.

A chegada do general John Kelly como chefe de Gabinete e a saída do polêmico chefe de Estratégia Steve Bannon parecem ter colocado um ponto final na constante guerra interna. Mas a desordem continua, com assessores que aparecem meses depois de terem sido demitidos e com novas demissões a cada semana. Assim, os constantes questionamentos sobre a conduta de Trump não ressoam no vazio. Uma recente pesquisa do instituto Quinnipiac mostrou que 69% dos eleitores consideram que Trump não é muito equilibrado, e 57% acreditam que não está preparado para ser presidente.

Polêmicas

O público da posse

Da escadaria do Capitólio, Trump pronunciou um discurso de posse, no qual pintou um panorama sombrio dos Estados Unidos, com uma péssima situação econômica. No dia seguinte, o então porta-voz da Casa Branca, Sean Spicer, insistiu em que o número de pessoas presentes na posse foi muito maior do que na de Barack Obama, em 2008. Contrariando a evidência das fotos aéreas.

Decreto migratório

Em 27 de janeiro, Trump assinou uma ordem executiva vetando a entrada em território norte-americano de cidadãos de sete países de maioria muçulmana, por um período de 90 dias, e de todos os refugiados, por 120 dias. Esse primeiro decreto foi rapidamente bloqueado pela Justiça, assim como uma segunda versão, na qual o Iraque não estava mais na lista de países vetados. Uma terceira versão também foi barrada na Justiça.

O acordo de Paris
Em consonância com seu principal slogan de campanha, 0 “America First” (os Estados Unidos primeiro), Trump anunciou em 1º de junho sua decisão de retirar o país do Acordo de Paris contra mudança climática, argumentando que é injusto e nocivo para a economia. Ignorou amplamente as queixas de grupos ambientais, de líderes mundiais, da indústria e até de sua filha Ivanka. “Fui eleito para representar os cidadãos de Pittsburgh, não de Paris”, declarou o presidente.

Decapitação do FBI
Em 9 de maio, Trump demitiu o então diretor do FBI (a Polícia Federal norte-americana), James Comey, tirando de cena o homem à frente da investigação sobre a suspeita de conluio entre a equipe de campanha do republicano e a Rússia. O presidente alegou estar insatisfeito com a maneira como Comey administrou uma investigação sobre o uso de e-mail privado, por parte de Hillary.

“Homem-foguete”    
Em seu discurso na Assembleia Geral da ONU em setembro, Trump prometeu destruir a Coreia do Norte. Também chamou o líder norte-coreano, Kim Yong-un, de “Homem-foguete”. A retórica atingiu o ponto do ridículo depois que Kim Jong-un alardeou possuir capacidade para atacar o território norte-americano com seus mísseis e Trump respondeu que possuía “um botão nuclear muito maior e poderoso”.

O Obamacare
Ao longo da campanha e já na Presidência, Trump prometeu acabar com a reforma no sistema de saúde promovida por seu antecessor, o democrata Barack Obama. Para o republicano, o Obamacare - que proporciona cobertura médica a milhões em um país sem um sistema de saúde universal - é “desastroso”. Com o tempo, Trump acabou se dando conta de que uma coisa é fazer promessas de campanha, e outra é conseguir vê-las aprovadas pelo Congresso - especialmente com seu partido dividido.

Perfil

Donald John Trump

Nascimento: 14 de junho de 1946 (71 anos)
Casado (terceiro casamento)
Cinco filhos
Profissão: empresário
Religião: Presbiteriana

Como foi eleito

Trump disputou a presidência dos Estados Unidos contra a candidata democrata Hillary Clinton, apoiada por Barack Obama. Contrariando as pesquisas, ele obteve 306 votos de delegados do colégio eleitoral, contra 232 de Clinton, e conseguiu uma imponente vitória, apesar de ter tido 2,8 milhões a menos de votos.