Superstição

Marcelo Navarro
Membro eleito da Academia Norte Rio Grandense de Letras
mnrdantas@uol.com.br

Publicação: 06/07/2014 03:00

Eu não acredito em superstição. Até porque uma palavra infeliz dessa — que até pronunciar é difícil — só pode dar azar. Apenas, tenho de entrar o ano, todo ano, com alguma peça de roupa verde. E, em copa do mundo, não posso ver jogo do Brasil fora da cidade onde moro. Mas isso não é crendice. É fato comprovado. Foi assim em 82, 86 e 98. Em 82 eu tinha 19 anos, e o Brasil o melhor time do mundo. Ô tempo bom! Mas perdemos. Ou, pelo menos, o Brasil perdeu. Eu, eu estava em Nova Iorque, na flor da juventude, com um bando de amigos e amigas, todos de camisa da seleção... Só fomos derrotados por aquela Itália de Paolo Rossi, aquela Itália em que ninguém acreditava, aquela Itália que findou, com imensa justiça, campeã.

Pois é, a tragédia do Sarriá — felizmente depois demolido, estádio caipora da moléstia!... — eu assisti fora de casa. E apareceu uma ruma de italianos, não se sabe de onde, pra mangar do nosso grupo que, jururu, com as bandeiras enroladas debaixo do braço, voltou cabisbaixo para o hotel. Conheço gente que deixou de gostar de futebol ali. Ou passou a não torcer mais pela seleção brasileira. Dizem que foi quando morreu o jogo bonito. Sei não.

Ganhamos em 94 e 2002, mas não vale, dizem. “94 foi nos pênaltis. Não fomos nós que ganhamos, foram os italianos que perderam. Foi Baggio, com seu rabicho uruquento, que errou”. Não valeu uma ova! Disseram isso semana passada para Cannavaro, campeão de outra Itália campeã, a de 2006, e campeã também nos pênaltis, e ele respondeu: ah, é? Então deem a copa de 94 de volta pra gente, que a gente recebe... Bobagem.

A seleção de 94 tinha seus méritos. O maior dos quais é bem baixinho: Romário. Mas também tinha Bebeto, Branco, Taffarel. E garra. E Dunga, de quem tanto falaram mal — a Era Dunga virou sinônimo de futebol feio — mas que jogava excepcionalmente. E a seleção de 82 perdeu, e, como já disse acima, perdeu com justiça. Em vez de reverem suas memórias, experimentem rever a partida. Uma seleção que tinha Valdir Peres no gol e Serginho Chulapa como centroavante não podia aspirar ao título. Foi uma pena. Telê merecia. Zico, Falcão, Júnior, mereciam. Foi um grande time, um dos melhores do seu tempo. Vai ficar na mesma prateleira da memória que o Brasil de 50, a Hungria de 54, a Holanda de 74. E isso já é muito.

A celebração das glórias precisa de derrotas assim para valer a pena. Mas os brasileiros convivemos mal com isso. Por isso, não saboreamos direito nem mesmo a indiscutível conquista de 2002. Uma copa que ganhamos com sete — eta número sortudo! — vitórias, como nenhum outro time fez até hoje. Uma seleção com Ronaldo Fenômeno e o grande, o fantástico Rivaldo à frente. Mas não vibramos com ela como devíamos. Preferimos procurar os culpados pela derrota de 82. Teria sido mesmo o erro de Cerezo? Ou foi a apatia que tomou conta do time inteiro depois dos gols de Paolo Rossi. Podem parar. O culpado fui eu, que inventei de viajar. E, pior, não aprendi logo. Fiz o mesmo em 86, Zico perdeu o pênalti e fomos eliminados. E ainda, de novo, em 98, aí Ronaldo teve aquele siricotico e deu no que deu.

Então a ficha caiu. Passei a ficar em casa, ganhamos 2002, perdemos 2006 por causa do meião de Roberto Carlos — essa não fui eu! — e 2010 pela saída errada do recém-redimido Júlio César. O danado é que tenho um compromisso inadiável em São Paulo, na manhã do próximo dia 14, então tenho de ver a final, lá, dia 13... Eita, São Zagalo! — e “eita São Zagalo!” tem 13 letras —, nos salve! Mas para isso, o Brasil precisa chegar na final. Toc, toc, toc.