O palácio, o campo e a princesa

Andrea Nunes
Escritora e Promotora de Justiça em Recife
afnpadilha@gmail.com

Publicação: 20/08/2014 03:00

Há meio século, uma princesinha arrastava as anáguas do vestido em desabalada carreira no corredor do palácio. As risadas entrecortadas por gritinhos assustados denunciavam o exercício do legítimo direito infantil de enxergar fantasmas em lugares antigos. “Os funcionários assustavam a gente dizendo que o quarto de papai era mal-assombrado”, ela me confidenciava sorrindo, um dia desses, já adulta. Seria uma estória qualquer, não fosse seu pai o lendário governador de Pernambuco, Miguel Arraes. Não fosse o quarto mal-assombrado o mesmo onde dormira Agamenon Magalhães. E não fosse a vetusta residência o Palácio do Campo das Princesas, sede do Governo de Pernambuco.

Um dia, o medo se despiu dos subterfúgios da fantasia para ganhar os duros contornos da realidade: a princesa assistiu o pai-governador ser deposto pelo golpe militar, e sair daquele palácio sob a mira de metralhadoras. Mas saiu pela porte da frente, e voltou anos mais tarde,  triunfante, conduzido pela força do povo na reabertura democrática. A princesa registrou que seu pai, expulso prematuramente do seu palácio, voltava para cumprir o seu legado.

Alguns anos mais tarde, ela assistiu  a ascensão do seu filho ao mesmo cargo que um dia fora do seu pai: governador de Pernambuco, por dois mandatos. Mais uma vez, pela vontade do povo, ela voltava àquele antigo lar, para assistir sua linhagem protagonizar a história do Estado. E ela observou o seu rebento revolucionar o Estado com sua ousadia, habilidade e inteligência, inaugurando uma nova era em Pernambuco.  Ela viu o seu filho-governador  revitalizar o palácio , entregando-o ao povo pernambucano com suas cores e configurações originais. E viu também quando aquele jovem esperançoso entregou prematuramente o seu mandato num discurso emocionado, e deixou o palácio para alçar voos mais altos: ele queria mudar o Brasil.

Hoje ela se dá conta que, tal qual o seu pai, que saíra  do palácio antes da hora como ele, seu filho também voltava àquele mesmo prédio, coberto de glórias e respeito popular. Mas no lugar de festejos e alegrias, só lágrimas e silêncio. Seu olhar enlutado de mãe vela um corpo que nunca verá. Dorme, meu menino, deixa teus sonhos embalarem os nossos, agora.

De repente, ela ergue a cabeça e ensaia um arremedo de sorriso.  Aqui nesse palácio estão enterradas minhas raízes e minhas sementes. Não tem mais medo dos fantasmas do palácio. Finalmente compreendeu que as energias sobrenaturais daquele lugar são forças do Bem. São teus anjos, querida Ana, que agora protegem teu caminho e inspiram os líderes do porvir.