Justiça, responsabilidade e coragem: por que o arquivamento das denúncias contra a saúde do Recife é a decisão correta

Luciano Gesteira
Advogado

Publicação: 04/07/2025 03:00

No auge da pandemia da Covid-19, quando o mundo inteiro vivia um cenário de incerteza, escassez e colapso, a Prefeitura do Recife, como tantas outras administrações municipais, precisou agir com rapidez para garantir que sua rede de saúde não sucumbisse diante do avanço do vírus. Leitos de UTI foram montados do zero, equipamentos foram adquiridos com urgência e decisões administrativas foram tomadas em tempo recorde.

Agora, passados mais de quatro anos daquele período dramático, é natural – e saudável – que o funcionamento da máquina pública seja revisitado à luz da legalidade e da transparência. Foi o que fez o Ministério Público Federal (MPF) ao investigar suposto superfaturamento na compra de sistemas de aspiração traqueal por meio de dispensas de licitação realizadas pela Secretaria de Saúde do Recife em 2020.

O resultado da apuração foi o arquivamento do caso, decisão tomada com base em farta documentação, perícia técnica e depoimentos de servidores. É preciso que a sociedade compreenda: o arquivamento não significa conivência, mas sim reconhecimento de que, naquele contexto, não houve crime, desvio ou má-fé.

O processo investigatório revelou que as compras emergenciais seguiram as diretrizes da Lei nº 13.979/2020, aprovada pelo Congresso justamente para permitir contratações diretas durante a crise sanitária. Ficou demonstrado que os equipamentos foram efetivamente entregues, que a demanda era real, que havia escassez nacional do insumo e que os preços, embora altos, foram compatíveis com o mercado da época.

Mais importante ainda: não houve qualquer prova de conluio, fraude, enriquecimento ilícito ou direcionamento doloso. As chamadas “inversões de fases” nos processos (como a entrega dos equipamentos antes da ratificação da compra) foram explicadas como resultado da urgência absoluta. Afinal, cada hora contava na abertura de leitos que salvaram milhares de vidas.

A decisão do MPF é um resgate necessário à verdade: os servidores públicos envolvidos não são criminosos – são heróis anônimos de uma batalha sanitária sem precedentes. Trabalhavam dia e noite, sob pressão, com medo, com perdas pessoais, com equipes reduzidas e sob o risco constante de adoecerem ou perderem colegas. É fácil julgar com a frieza do retrovisor; difícil é decidir sob o calor da urgência. Num tempo em que é comum criminalizar a política e demonizar o funcionalismo público, reconhecer o acerto dessa decisão de arquivamento é também reconhecer o valor das instituições que funcionam com independência e o compromisso dos agentes públicos que servem à população com honestidade e coragem.

O combate à corrupção é essencial. Mas também é essencial não punir inocentes nem transformar erros formais, muitas vezes inevitáveis em contextos extremos, em injustiça e desonra. O nome da boa gestão públicas se escreve com transparência, mas também com justiça e humanidade.