Alfredo Antunes e sua "Ribeira Submersa"

Dagoberto Carvalho Jr.
Escritor
dagobertocjr@hotmail.com

Publicação: 22/11/2014 03:00

Recebo com a mesma amável dedicatória com que me chegaram os outros livros do escritor português recifensizado que esta resenha saúda e registra, o volume das memórias devidas a seus concidadãos do Recife e de Coimbra; cidades da vida e do nascimento do autor que, justamente pela obra comentada, se deixam resgatar do submerso mundo poético de Alfredo de Morais Antunes. Porque, como ele mesmo afirma qual álter ego do poeta maior de Portugal e do idioma, Fernando Pessoa, o livro é seu “padrão (que) sinala ao vento e aos céus / que, da obra ousada, é minha a parte feita: / o por-fazer é só com Deus”.

Verdadeira saga de uma vida, o testemunho em análise cobre-a – a do autor –, completamente; e em parte, considerável parte, as de seus companheiros de mocidade e de sonhos: Arturo Jordán, Pedro Terrer Rubio e Bernardo Mora Trespalacios, incorporados à narrativa e a própria vida de Antunes. Na Espanha (onde concluiu o curso de Teologia, na Facultad San Francisco de Borja, da Universidade de Barcelona) e ainda no Brasil, como é o caso de Trespalacios, cuja fraternal relação reflete e traduz o prefácio da obra.

No âmago, o enredo abriga e questiona a história de tradicional família portuguesa de raízes agrárias e tradicional credo católico romano que acalenta e se orgulha de ordenar filho padre, mesmo que ao custo da realização moral e vocacional do “beneficiado”. Benefício ao fim e ao cabo, como dizem lá os patrícios, representado pela qualificação intelectual que, então, a referida formação humanística garantia. E, no caso, a conhecida e ainda respeitada formação universitária e pós acadêmica jesuítica, haurida nos quatro cantos da orbe inaciana.

Kierkegaard como bússola dos questionamentos filosóficos que atormentaram o autor, levando-o à ruptura da vocação denunciada como “materna” e à solução do casamento. Coloridos retratos do álbum de família. Afinidades com movimentos renovadores de sua velha Igreja. A vida profissional longe da acolhedora e recifense Universidade Católica de sua “descoberta” do Brasil. A Universidade Federal de Pernambuco, contratado já como professor adjunto. A vitoriosa carreira na hierarquia administrativa e magisterial da Casa. A fidelidade a Amália Rodrigues. O encantamento por António Vieira e Fernando Pessoa. O camoniano “saber de experiência feito”!