Jaques Cerqueira
Jornalista
jaquescerqueira@gmail.com
Publicação: 22/10/2015 03:00
As garras frias e ásperas da insônia me arrancam da cama, na madrugada chuvosa, e me forçam ir até o espelho do banheiro. Acendo a luz e me vejo diante daquele pedaço de vidro aquietado e frio. Mas, não foi esse reflexo de rugas espalhadas pelo rosto que eu desejava ver. Tampouco os olhos alquebrados. Espelho sem memória insiste em esquecer o rosto jovem que se alegrava diante dele, sempre de sorriso largo e espontâneo da juventude.
Inconformado, volto ao quarto e pego uma foto minha de 50 anos atrás. Preciso mostrar a imagem desbotada em sépia, onde apareço como gostaria de me ver agora. Mas, insensível, o espelho parece rir de mim e me diz baixinho que a verdade é essa mesma que ali se reflete por ora. Ponto final. Penso em quebrar o espelho em mil estilhaços, como forma de vingança. Entretanto, ouço que isso em nada mudará a dura realidade ali confrontada porque minha velhice continuará refletida também em cada um dos mil pedaços. A vingança, pois, seria na verdade do espelho e não minha.
Cruel, ele se revolta apontando o dedo acusador para os cabelos escassos e grisalhos que me alteiam a testa. Me aponta rugas deformantes do rosto, o olhar desbotado e perdido, o sorriso transformado em esgar. Pergunto ao espelho que prazer ele sente em realçar minhas feridas? Para que ressaltar as lágrimas que me escapam dos olhos do mesmo jeito trôpego como ando agora?
Vingativo, o espelho ainda me faz ver que já não rio como antes, já não projeto sonhos e me limito a viver cada dia em contagem regressiva para a verdade derradeira. Uma verdade que me dói no fundo da alma, porque é definitiva. Afinal, a velhice não tem meio termo, segue sempre uma trilha sem volta. Ainda preso às garras da insônia, me coloco diante da TV e finjo assistir um filme. Finjo somente, enquanto a madrugada não se transforma em amanhecer com outras duras realidades de um cotidiano difícil para os velhos.