Cláudio Lacerda
Cirurgião e professor
Publicação: 20/10/2016 03:00
É na simples condição de cidadão nordestino, com alguma ligação familiar histórica com esse esporte matuto, que me arrisco a desobedecer ao conselho de Apeles, famoso sábio grego, para quem “não vá o sapateiro além do sapato”, e entro nesse debate.
Se querem reagir à recente decisão judicial e preservar a prática da vaquejada, pelo impacto econômico e pelo desemprego que seria causado por sua proibição, principalmente no interior do Nordeste, tudo bem. Reajam. Se querem legalizar a vaquejada pela tradicional diversão que oferece à nossa população interiorana, tudo bem. Legalizem. Mas não venham com sofismas para negar ou subestimar o imenso e inevitável sofrimento a que são submetidos os animais.
O ministro Marco Aurélio de Mello, do STF, relator do processo que considerou anticonstitucional essa prática no Ceará, criando jurisprudência para o restante do país, afirmou em seu voto que “a atividade de perseguir animal que está em movimento, em alta velocidade, e puxá-lo pelo rabo (...) configura maus-tratos”, e que “inexiste a mínima possibilidade de o touro não sofrer violência física e mental”.
Não sabe o ministro, tampouco os seus pares, principalmente os que dele divergiram e se posicionaram a favor do esporte, que o sofrimento dos bois na pista de corrida, portanto no palco do show, é quase nada se comparado ao dos bastidores, ou seja, ao que são submetidos até chegarem lá. Isso porque eles não caminham pela própria vontade, mansamente, ou atraídos por alguma coisa. Pelo contrário, quando entram no corredor de acesso à pista, pressentem o que lhes aguarda e se negam a avançar, só o fazendo debaixo de pauladas, furadas, choques elétricos, torções de rabo e outras formas de açoite.
Quanto ao argumento de que a vaquejada é uma atividade cultural importante, digo que há muito perdeu o encanto. Pergunte-se aos seus organizadores se a questão cultural é levada em consideração na escolha das bandas que tocam à noite. Se, de fato, são prestigiados os nossos artistas de raízes, ou se preferem o forró prostituído, de mau gosto, cheio de apelos pornográficos e nenhuma qualidade musical - uma verdadeira contracultura. Se forem sinceros, dirão que “é o que o povo gosta”, ou seja, é o que dá bilheteria.
Mas esses argumentos contrários nem de longe encerram a discussão. Há de se reconhecerem fortes razões naqueles que defendem esse esporte. Praticado legalmente desde o inicio do século passado, cresceu nas últimas décadas, desempenhando hoje papel relevante na economia de muitas cidades do interior e empregando milhares de pessoas, direta e indiretamente. Proibi-la de uma vez, numa simples canetada, como querem os ministros do STF, teria um impacto devastador para a comunidade da vaquejada, com efeitos socioeconômicos colaterais difíceis de mensurar e, sobretudo, reparar.
Por outro lado, entendo que o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) proposto pelos defensores para “regulamentar o tratamento dos animais” seria pura tapeação. Isso porque, para funcionar, teria que ser feito com os próprios bois, e não com os vaqueiros apenas, pactuando-se com os bichos uma forma pacífica e negociada de entrarem no brete e correrem na pista, sabendo que dificilmente escaparão de uma queda, quando puxados pelo rabo.
Como isso não é possível, em se tratando de animais irracionais, torna-se necessário que sejam racionais os seres humanos envolvidos, principalmente os julgadores da contenda, para que levem em consideração argumentos pertinentes a favor e contra. Desde que verdadeiros.
Se querem reagir à recente decisão judicial e preservar a prática da vaquejada, pelo impacto econômico e pelo desemprego que seria causado por sua proibição, principalmente no interior do Nordeste, tudo bem. Reajam. Se querem legalizar a vaquejada pela tradicional diversão que oferece à nossa população interiorana, tudo bem. Legalizem. Mas não venham com sofismas para negar ou subestimar o imenso e inevitável sofrimento a que são submetidos os animais.
O ministro Marco Aurélio de Mello, do STF, relator do processo que considerou anticonstitucional essa prática no Ceará, criando jurisprudência para o restante do país, afirmou em seu voto que “a atividade de perseguir animal que está em movimento, em alta velocidade, e puxá-lo pelo rabo (...) configura maus-tratos”, e que “inexiste a mínima possibilidade de o touro não sofrer violência física e mental”.
Não sabe o ministro, tampouco os seus pares, principalmente os que dele divergiram e se posicionaram a favor do esporte, que o sofrimento dos bois na pista de corrida, portanto no palco do show, é quase nada se comparado ao dos bastidores, ou seja, ao que são submetidos até chegarem lá. Isso porque eles não caminham pela própria vontade, mansamente, ou atraídos por alguma coisa. Pelo contrário, quando entram no corredor de acesso à pista, pressentem o que lhes aguarda e se negam a avançar, só o fazendo debaixo de pauladas, furadas, choques elétricos, torções de rabo e outras formas de açoite.
Quanto ao argumento de que a vaquejada é uma atividade cultural importante, digo que há muito perdeu o encanto. Pergunte-se aos seus organizadores se a questão cultural é levada em consideração na escolha das bandas que tocam à noite. Se, de fato, são prestigiados os nossos artistas de raízes, ou se preferem o forró prostituído, de mau gosto, cheio de apelos pornográficos e nenhuma qualidade musical - uma verdadeira contracultura. Se forem sinceros, dirão que “é o que o povo gosta”, ou seja, é o que dá bilheteria.
Mas esses argumentos contrários nem de longe encerram a discussão. Há de se reconhecerem fortes razões naqueles que defendem esse esporte. Praticado legalmente desde o inicio do século passado, cresceu nas últimas décadas, desempenhando hoje papel relevante na economia de muitas cidades do interior e empregando milhares de pessoas, direta e indiretamente. Proibi-la de uma vez, numa simples canetada, como querem os ministros do STF, teria um impacto devastador para a comunidade da vaquejada, com efeitos socioeconômicos colaterais difíceis de mensurar e, sobretudo, reparar.
Por outro lado, entendo que o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) proposto pelos defensores para “regulamentar o tratamento dos animais” seria pura tapeação. Isso porque, para funcionar, teria que ser feito com os próprios bois, e não com os vaqueiros apenas, pactuando-se com os bichos uma forma pacífica e negociada de entrarem no brete e correrem na pista, sabendo que dificilmente escaparão de uma queda, quando puxados pelo rabo.
Como isso não é possível, em se tratando de animais irracionais, torna-se necessário que sejam racionais os seres humanos envolvidos, principalmente os julgadores da contenda, para que levem em consideração argumentos pertinentes a favor e contra. Desde que verdadeiros.