O (novo) computador do século 21

Kiev Gama *
kiev@cin.ufpe.br

Publicação: 07/12/2016 03:00

“As tecnologias mais profundas são aquelas que desaparecem. Elas se entrelaçam no tecido da vida cotidiana até que sejam indistinguíveis dele”.  Foi assim que Mark Weiser iniciou o artigo The Computer for the 21st Century (O computador para o século 21), publicado na revista Scientific American, em setembro de 1991, há 25 anos. Weiser era um dos principais cientistas do Palo Alto Research Center (PARC), laboratório de pesquisa da Xerox, onde surgiram os protótipos do computador pessoal, da sua interface gráfica, do mouse. Na vanguarda da inovação tecnológica, também foi no PARC que Steve Jobs bebeu um pouco das ideias e, posteriormente, aperfeiçoou tais conceitos nos produtos da Apple.

Para aquela época, o artigo de Weiser poderia até ter um quê de ficção científica, mas, com uma incrível visão de futuro, ele descreveu de maneira muito precisa como seria a computação duas décadas à frente de seu tempo: computadores “ubíquos”, que estariam em todos os lugares, de vários tamanhos, cada um adaptado a uma tarefa particular. É mais ou menos o que temos hoje com smartphones, câmeras digitais, MP3 players, smart watches, smart TVs e os vários eletrodomésticos “smart”. Todos com alguma forma de computação embutida e conectividade.

Weiser previu que a transmissão de dados iria aumentar rapidamente e, gradativamente, ficaria mais barata. Três formas diferentes de conexão de redes seriam exigidas – comunicações sem fio de pequeníssimo e de longo alcance; e cabeada, com altíssima velocidade. É mais ou menos o que temos hoje, acessível a todos, com Bluetooth, redes 3G/4G e fibra ótica, respectivamente. Além da rede ligando os dispositivos, a tecnologia necessária para a computação ubíqua consistiria em computadores baratos e de baixo consumo de energia, com displays igualmente convenientes e sistemas de software que implementam aplicações. Basicamente é o conceito do Smartphone, que só se popularizaria no mercado em 2007, ano de lançamento do iPhone.

O autor também se antecipou ao surgimento e à popularização de tablets, notebooks e lousas digitais. Mas a computação foi ainda além. Parte daquele futuro desenhado materializou-se no que tem sido chamado de Internet das Coisas. Cada vez mais, objetos inteligentes fazem parte do nosso dia a dia. Coisas conectadas entre si ou diretamente à Internet. Seja dentro de casa – como uma lâmpada acionável à distância, geladeiras e fornos inteligentes – ou em ambientes públicos, como semáforos, câmeras de vigilância e veículos. Sem contar com itens um tanto inusitados (ao menos curiosos), como o vaso sanitário que coleta e analisa dados da urina e sinais vitais do usuário; e a bandeja de ovos para geladeira que avisa pelo smartphone a data em que cada unidade foi colocada e notifica quando é necessário reabastecer!..

A Internet das Coisas, aliás, é uma extensão do futuro que se previu há 25 anos. Estima-se que, em 2020, mais de 20 bilhões de dispositivos estejam conectados à rede – isso inclui setores como saúde, transportes, agricultura e indústria.  E, com tantas mudanças frenéticas, como podemos, hoje, imaginar o futuro além de Weiser e Jobs?.. Talvez seja perto do que pensa o próprio criador do termo “Internet das Coisas”, o visionário tecnológico Kevin Ashton.

Microscópico, funcionando sem bateria e sempre conectado. Essas são as características do computador de Ashton, que vai compor uma espécie de sistema nervoso capaz de coletar informações do mundo físico continuamente e reagir a partir desses dados. Exemplo já existente são os carros autônomos, que dispensam motoristas graças a diversos sensores e sistemas de software. Por volta de 2030, na sua opinião, tais veículos, inclusive, já sairão de fábrica sem o volante.

Será também pelos idos dos próximos anos 30 que práticas sustentáveis serão mais habituais. Visando minimizar o problema de esgotamento de matéria-prima, serão fabricados produtos eletronicamente rastreáveis, auxiliados por sistemas computacionais, otimizando a reciclagem. Diferente de muitas visões apocalípticas de fome, guerra e aquecimento global, Kevin Ashton enxerga que todas essas tecnologias podem ser ferramentas para construir um mundo com melhor qualidade de vida, em um futuro brilhante para a humanidade. Que venha o novo computador do século 21.  

* Professor do Centro de Informática da UFPE