Chico de Assis
Ex%u2013preso político de Pernambuco, advogado e jornalista
Publicação: 01/04/2017 03:00
A imagem que mais me ocorre ao lembrar esse dia é a minha saída do prédio da Agência Nacional na Av. Guararapes, onde trabalhava como repórter-auxiliar, com alguns companheiros de trabalho, entre os quais meu irmão mais velho, Antonio Avertano, jornalista, diretor da Agência e também metido em subversão à época.
O Palácio das Princesas, cercado por tropas militares, contrariava a previsão do dia anterior, que nos fora feita pelo próprio governador Miguel Arraes. Ele acreditava (ou deu a entender assim, para nos tranquilizar) que o golpe seria debelado. O general Amauri Kruel, comandante do II Exército, aderiria ao Presidente João Goulart, e o general Justino Alves Bastos, do IV Exército, estava em vias de lhe apoiar aqui no Estado.
Traído em sua expectativa – no transcurso de uma madrugada plena de traições – Arraes se viu cercado pela manhã e intimado a renunciar ou aderir. Digno como sempre, o governador dos pernambucanos não renunciaria, nem muito menos aderiria aos golpistas. Seu mandato lhe havia sido outorgado pelo povo. E só ao povo seria entregue. Saiu preso, posteriormente desterrado para a Ilha de Fernando Noronha, em cujo presídio passaria boa parte do seu tempo de prisão.
Nas esquinas da ponte Duarte Coelho já despontavam os primeiros cordões da passeata de estudantes, bancários e alguns poucos trabalhadores de outras categorias, que se dirigiam ao Palácio, em solidariedade ao governador sitiado. Naturalmente, me incorporei a ela. Quando chegamos na esquina da Guararapes com Dantas Barreto, a um quarteirão do Palácio, as tropas do Exército se movimentaram em nossa direção.
Várias rajadas de metralhadora e fuzil foram a resposta que tivemos aos nossos gritos de “ fascistas” e de não “passarão”. Recuei correndo até a Igreja de Santo Antônio. Ainda completamente atordoado, soube que os dois corpos que vira estendidos no chão eram de Jonas Albuquerque, menino poeta de 16 anos, meu colega no Colégio Estadual de Pernambuco e de Ivan Aguiar, estudante de Engenharia, filho de notória família comunista em nosso Estado. Seriam as primeiras vítimas fatais do regime ditatorial que começava a se implantar.
Saí meio sem rumo. Procurava alguma orientação, um pouquinho mais ajuizada que a recebida de um vulto agalegado, que conhecia das assembléias estudantis: “agora é pegar em armas, companheiro; faca, revólver, facão e se juntar no campo ao velho Griga!”.
Possivelmente naquele momento, o velho Griga, na verdade Gregorio Bezerra, histórico líder comunista desde o Levante de 1935, estava sendo preso no município de Cortês, conduzido ao QG do IV Exercito, no Recife, e ao Quartel de Motomecanização, no bairro de Casa Forte, onde foi submetido a inimagináveis torturas, comandadas pelo Cel. Darcy Ursmar Villocq. É o próprio velho Griga que conta:
“...puseram–me numa cadeira e três sargentos seguraram–me por trás, enquanto Villocq, com um alicate, ia arrancando meus cabelos. Logo depois, puseram–me de pé e obrigaram–me a pisar numa poça de ácido de bateria. Em poucos segundos, estava com a sola dos pés em carne viva...” (Memórias, Boitempo Editorial: São Paulo – 2011, p. 537)
Nessas condições, Gregório foi depois arrastado pelas ruas de Casa Forte, uma corda amarrada ao pescoço, para gáudio dos torturadores recém-vitoriosos e escândalo das tradicionais famílias do bairro.
Mesmo sem ter, naquela altura, conhecimento de nenhum desses fatos, diante da proposta e do tom meio desesperado do companheiro, eu me limitei a rir (espécie de reação nervosa que me ocorre quando não sei bem o que fazer) e segui meu caminho ou descaminho. A noite se abateu literalmente, não só sobre o Recife. A mentira – que brincalhonamente atribuíamos à passagem do 1º de abril – estendeu seu manto sobre os dias subsequentes. E duraria 21 anos!
O Palácio das Princesas, cercado por tropas militares, contrariava a previsão do dia anterior, que nos fora feita pelo próprio governador Miguel Arraes. Ele acreditava (ou deu a entender assim, para nos tranquilizar) que o golpe seria debelado. O general Amauri Kruel, comandante do II Exército, aderiria ao Presidente João Goulart, e o general Justino Alves Bastos, do IV Exército, estava em vias de lhe apoiar aqui no Estado.
Traído em sua expectativa – no transcurso de uma madrugada plena de traições – Arraes se viu cercado pela manhã e intimado a renunciar ou aderir. Digno como sempre, o governador dos pernambucanos não renunciaria, nem muito menos aderiria aos golpistas. Seu mandato lhe havia sido outorgado pelo povo. E só ao povo seria entregue. Saiu preso, posteriormente desterrado para a Ilha de Fernando Noronha, em cujo presídio passaria boa parte do seu tempo de prisão.
Nas esquinas da ponte Duarte Coelho já despontavam os primeiros cordões da passeata de estudantes, bancários e alguns poucos trabalhadores de outras categorias, que se dirigiam ao Palácio, em solidariedade ao governador sitiado. Naturalmente, me incorporei a ela. Quando chegamos na esquina da Guararapes com Dantas Barreto, a um quarteirão do Palácio, as tropas do Exército se movimentaram em nossa direção.
Várias rajadas de metralhadora e fuzil foram a resposta que tivemos aos nossos gritos de “ fascistas” e de não “passarão”. Recuei correndo até a Igreja de Santo Antônio. Ainda completamente atordoado, soube que os dois corpos que vira estendidos no chão eram de Jonas Albuquerque, menino poeta de 16 anos, meu colega no Colégio Estadual de Pernambuco e de Ivan Aguiar, estudante de Engenharia, filho de notória família comunista em nosso Estado. Seriam as primeiras vítimas fatais do regime ditatorial que começava a se implantar.
Saí meio sem rumo. Procurava alguma orientação, um pouquinho mais ajuizada que a recebida de um vulto agalegado, que conhecia das assembléias estudantis: “agora é pegar em armas, companheiro; faca, revólver, facão e se juntar no campo ao velho Griga!”.
Possivelmente naquele momento, o velho Griga, na verdade Gregorio Bezerra, histórico líder comunista desde o Levante de 1935, estava sendo preso no município de Cortês, conduzido ao QG do IV Exercito, no Recife, e ao Quartel de Motomecanização, no bairro de Casa Forte, onde foi submetido a inimagináveis torturas, comandadas pelo Cel. Darcy Ursmar Villocq. É o próprio velho Griga que conta:
“...puseram–me numa cadeira e três sargentos seguraram–me por trás, enquanto Villocq, com um alicate, ia arrancando meus cabelos. Logo depois, puseram–me de pé e obrigaram–me a pisar numa poça de ácido de bateria. Em poucos segundos, estava com a sola dos pés em carne viva...” (Memórias, Boitempo Editorial: São Paulo – 2011, p. 537)
Nessas condições, Gregório foi depois arrastado pelas ruas de Casa Forte, uma corda amarrada ao pescoço, para gáudio dos torturadores recém-vitoriosos e escândalo das tradicionais famílias do bairro.
Mesmo sem ter, naquela altura, conhecimento de nenhum desses fatos, diante da proposta e do tom meio desesperado do companheiro, eu me limitei a rir (espécie de reação nervosa que me ocorre quando não sei bem o que fazer) e segui meu caminho ou descaminho. A noite se abateu literalmente, não só sobre o Recife. A mentira – que brincalhonamente atribuíamos à passagem do 1º de abril – estendeu seu manto sobre os dias subsequentes. E duraria 21 anos!