Escritores da Ucrânia em tempo de guerra

Marcus Prado
Jornalista

Publicação: 23/06/2025 03:00

Abro este artigo em memória da escritora ucraniana do Brasil, do Recife e do mundo, a divina Clarice Lispector. Poucos sabem, ela foi enfermeira voluntária, em Nápoles (Itália), ainda jovem, com o marido brasileiro, diplomata, em plena Segunda Guerra Mundial, onde lutavam os pracinhas da FEB.

As consequências perversas da guerra, com sua violência e destruição para a literatura, são múltiplas e profundas, refletindo-se em autores e obras que exploram o sofrimento, a fome como arma de guerra, a dor, a perda, o luto que nunca deixa de ferir o peito, a desumanização.      

Embora a desumanização não seja novidade na guerra, como a que se mostra entre a Rússia e Ucrânia, que mata até crianças em hospitais e em abrigos de idosos, desafia seus grandes escritores, também é verdade que a crise atual nos impele a duvidar que seja passageira. Desumanização, como sinônimo de “demonização” levada às últimas consequências. 

Paira em todos os lugares uma ameaça de maior grandeza e destruição. Após quase três anos da invasão da Ucrânia pela Rússia, muitos perguntam diante das emoções que a guerra evoca, um amplo espectro de emoções intensas e complexas: a Ucrânia, onde nenhum lugar é seguro, tem capacidade de continuar lutando diante de um inimigo dez vezes maior. 

Sabe-se que muitos escritores ucranianos acham-se presos na Rússia, com penas que ultrapassam os 20 anos, ao ponto de o Parlamento Europeu ter apelado à libertação imediata deles, descrevendo-os como símbolos da liberdade de pensamento. O cineasta e escritor Oleg Gennadyevich Sentsov documenta sua vivência e resistência, como em Diary of a Hunger Striker, em que relata seu tempo na prisão russa, os escombros da guerra e a indiferença, que atinge a humanidade. Suas obras capturam a essência de uma luta não só política, mas também profundamente pessoal. 

Escritores como Yuri Andrukhovych, Oksana Zabuzhko, Serhiy Zhadan, Sofia Maidanska, Ihor Kalynets, Moysey Fishbein, Oleksandr Irvanets, Yuriy Izdryk, Maria Matios, Ihor Pavlyuk, são figuras proeminentes das melhores antologias de autores ucranianos, como se resume na obra de Andrei Kurkov, que narra eventos da invasão russa em 2022, a resistência ucraniana. 

Uma poesia e prosa que reflete a experiência da guerra e da vida na Ucrânia contemporânea, com foco na cultura e na identidade nacional, como o medo de uma mãe por seus filhos em In a Dream de Halyna Kruk. 

James Joyce (autor do Ulysses) entraria como uma flecha sem curvas na Ucrânia de hoje: “Eu quero dar uma imagem de Dublin tão completa que, se a cidade desaparecesse subitamente da Terra, ela poderia ser reconstruída a partir dos meus livros.” (Frank Budgen em conversa com o autor, Zurique, 1918; do capítulo IV de seu livro de 1934 James Joyce and the Making of “Ulysses”). 

Nesta hora agônica da sua história, todos almejam que um dia a Ucrânia seja reconstruída, também, pela imaginação criadora dos seus grandes escritores.